Por Austin Andrade*
Quem nunca escutou frases como “quem gosta do passado é museu”, ou pérolas como “o que passou passou…”. Frases ingênuas, mas que fazem acreditar que o passado é algo distante e que por si só merece ser enterrado, sepultado e esquecido. É preocupante que memórias caiam no esquecimento. Que grupos com interesses exclusos promovam verdadeiras amnésias sociais. E mais preocupante ainda é ver que essa situação é normalizada por pessoas que infelizmente não tenham tido a oportunidade de fazer uma reflexão, pessoas que não se percebem como personagens históricos de um mundo em constante movimento.
Pois bem meus caríssimos leitores e caríssimas leitoras, o ponto que quero chegar vem agora. Os que não matavam as aulas de história na escola, ou os que gostam de revirar textos, artigos e jornais antigos, devem saber um pouco sobre a luta que foi a implantação de leis trabalhistas que hoje vemos como normal, mas que na verdade ainda são sonhos distantes em muitos países que tem a reputação de serem “desenvolvidos”. Direitos que possam passar despercebidos, corriqueiros….são na verdade resultados de diversos jogos políticos, de greves, da atuação sindical em suas mais diferentes formas, ao longo de muitos anos. Desde Getúlio Vargas até o saudoso Jango, as conquistas, ou direitos vieram às vezes em lentas cavalgadas. Para desespero de uma elite oligárquica que se recusava (ainda se recusa) perder o protagonismo da história para uma massa dita como “selvagem, indócil, viril”. Afinal!!! Na ordem do dia, quem diabos seriam os trabalhadores para querer comandar suas próprias vidas? Para que décimo terceiro? Férias remuneradas? Na verdade, por que os trabalhadores precisariam de férias? Para que trabalhar apenas 8 horas por dia? Para que licença maternidade? Para que a existência de salário mínimo? Acreditem muitas dessas perguntas realmente foram feitas. Grandes empresários, parte da imprensa e setores religiosos viam em muitas dessas conquistas trabalhistas o inicio de uma “anarquia” que com o tempo corromperia e liquidaria a economia do Brasil.
Pois bem, o perigo que quero alertar vem agora. Existe uma proposta no Congresso, a famigerada lei número 4.330/04, em trâmite a mais de 10 anos que pode jogar no lixo anos de lutas dos nossos avós. Essa lei é sobre as novas regras para a terceirização do trabalho, que se aprovada tem tudo para atrapalhar e dificultar ainda mais a vida de quem acorda cedo pra labutar e ganhar o leite de cada dia.
Lendo os pressupostos da lei, é fácil perceber que ela tem apenas um lado. A maximização de lucros, aumento de competitividade, fortalecimento da indústria. Fatos que realmente são louváveis, e que temos sim que defender e arrumar meios para que se efetivem, mas espera lá….para que isso aconteça não é justo que milhões de trabalhadores tenham que se sacrificar.
Vejamos, de acordo com o Dieese, os trabalhadores terceirizados tendem há ficar 2,6 anos a menos que os trabalhadores convencionais no emprego. Tem em geral uma jornada de 3 horas a mais no trabalho semanal, com salário em torno de 27% a menos que os colegas. Muitas empresas terceirizadas já usam brechas na lei que não os obriga a pagar férias, décimo terceiro, planos de saúde, etc. O vinculo do empregado com a empresa beira a ZERO. O único vinculo empregatício seria com a empresa que ofereceria uma legião de terceirizados para os mais diferentes setores.
Como foi amplamente divulgado, temos agora um congresso conservador, que tende a ter mais dificuldade em lidar com questões que envolvam o interesse da grande massa operária. Na dúvida, é só olhar para o passado. Como comentei no começo, as janelas do passado trazem muitas reflexões sobre o presente, e pode sim ajudar com que velhos erros não se repitam. Portanto queridos, não faltem e não deixem seus filhos faltarem às aulas de história.
*Austin Andrade é Historiador graduado pela Universidade Estadual do Paraná – Unespar, Interprete criador e professor de dança clássica e contemporânea. Escreve todas as segundas-feiras para o Blog do Raoni
Luiz Carlos
2 de fevereiro de 2015 às 11:49
Muito legal o texto, mas você acredita mesmo que os direitos trabalhistas correm perigo neste atual momento da conjuntura? Abraço!
Patrícia
2 de fevereiro de 2015 às 14:22
Olá gostei muito deste espaço de debate. Queria saber Austin, na sua opinião, o que fazer para as crianças e adolescentes terem mais contato com a educação libertadora nas escolas e assim não comprar o discurso dominante. Muito obrigado!
Austin Andrade
2 de fevereiro de 2015 às 18:23
Olá Luiz Carlos, o autor do projeto que define as novas regras para a terceirização é o empresário e deputado Sandro Mabel (PMDB – GO). Por serem medidas ditas impopulares, não acredito que no primeiro momento vá para votação no congresso. Porém existe articulação para que essa medida seja sim implantada. Em 22 de janeiro último, houve o Fórum em defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, que cobrou do governo federal uma posição que tratam do tema no Congresso.
É sempre bom ficarmos de olho.
Grande abraço.
Austin Andrade
2 de fevereiro de 2015 às 18:36
Olá Patrícia, esse é um assunto delicado, no qual não devemos fugir em hipótese alguma.
Na minha concepção, o jovem precisa antes de tudo ter a consciência da sua importância dentro da sociedade, ele ou ela precisam se perceber como agente histórico do seu próprio tempo. Ou seja, perceber que a construção da sociedade não é feita apenas por grandes personagens, mas por todos nós, independente de classe social.
Um bairro, uma cidade, um estado não é construído apenas por políticos e empresários, mas sim no dia a dia por ações de todos que colaboram de alguma forma para sua existência, mesmo sem perceber.
Para que isso aconteça é necessária ação de maneira efetiva dos professores, se aproximando do aluno com afeto, promovendo diálogos, fazendo com que questionem o livro didático fornecido pelo governo, ajudando-os a participar das aulas, instigando o conhecimento e a curiosidade. É muito importante também a ajuda da família. O sistema de pensamento que nossa sociedade tem não existe a toa, foi construído por uma classe dominante ao longo das últimas décadas, cabe a nós ajudar os jovens a perceber isso.
Grande abraço.
Patrícia
5 de fevereiro de 2015 às 7:08
Austin, muito obrigado pela resposta. Estarei sempre acompanhando por aqui