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Educação

Coluna do Emílio Gonzalez: Problema de São Paulo, culpa de São Pedro.

A convite do amigo e companheiro Raoni de Assis, passarei a contribuir semanalmente nesta coluna. Neste espaço de debates, estarei publicando alguns textos inéditos, e também republicando textos de opinião que circulam através de minha coluna semanal no jornal mourãoense “Correio do Cidadão”, além de outros escritos avulsos. Desde já, agradeço ao amigo Raoni a oportunidade, e aos leitores que me acompanham no Correio e, agora, também neste blog.

cantareira

Por Emílio Gonzalez*

A História sempre nos ensina algo. Quando os portugueses pisaram pela primeira vez naterrabrasilis, 500 anos atrás, a descreveram como uma terra fértil. “Tudo o que nela se planta, tudo cresce e floresce”, anotou Pero Vaz de Caminha, escrivão da expedição comandada por Pedro Álvares Cabral, em sua carta enviada ao Rei Dom Manuel, de Portugal. Naqueles idos, a Europa recém superava o problema histórico medieval da fome e da escassez de alimentos. Mesmo assim, a obsessão do imperialismo colonial era encontrar ouro e prata em abundância nas novas terras descobertas. Para isso, entre 1500 a 1580, palmilharam cada centímetro da costa nordestina brasileira (então epicentro da colônia), mas fracassaram no intento de encontrar ouro em quantidade significativa (as reservas auríferas brasileira estavam no interior do Brasil, onde os portugueses chegariam apenas no século XVIII). Como a empresa colonial era muito cara, os portugueses decidiram partir para outras frentes onde pudessem tirar lucro da colônia. E a opção adotada foi o plantio extensivo de um produto até então raro e, consequentemente, caro no mercado europeu: o açúcar. Derivado da cana, o açúcar foi considerado durante muito tempo o “ouro branco” do Brasil. Colocando em curso também o tráfico negreiro, os primeiros engenhos mais estruturados surgiriam por volta de 1580.  Desde então, e até meados do século XVIII, a cana-de-açúcar seria a ponta-de-lança da empreitada colonial portuguesa.

Os canaviais rapidamente se espalharam pelo nordeste brasileiro. Os engenhos fizeram a fortuna de colonizadores, mercadores, rentistas e fidalgos europeus, ao mesmo tempo que empobrecia a terra, consumindo todos os recursos naturais, hídricos e sua fertilidade. No alvorecer do século XIX, o nordeste já era uma terra ressecada e desertificada. A terra outrora descrita por Pero Vaz de Caminha, que no passado foi o principal pólo do desenvolvimento econômico da colônia, hoje se transformou em terra árida.

Logo se vê que a culpa não foi de São Pedro, e sim do ímpeto colonial.

***

A História dá algumas lições. Como o nordeste no passado colonial, São Paulo é, nos dias atuais (e desde meados do século passado)o mais rico, populoso e desenvolvido Estado da federação. Consequentemente, é também o maior consumidor e produtor de automóveis (e seus derivados)do País. Não é preciso andar muito pelas rodovias paulistas para encontrar plantações a perder de vista, onde brotam produtos como laranja e cana. A roça caipira, cantada e decantada em belas canções antigas, já não produz mais inhame, batata-doce, jabuticaba e feijão, mas apenas cana. Mas a cana produzida por São Paulo não tem mais a finalidade de produzir açúcar, e sim, álcool. Desde a crise do petróleo dos anos 1970, o modelo de desenvolvimento econômico e energético brasileiro, adotado pela Ditadura Militar (1964-85), passou a se basear em dois tipos de recursos até então abundantes no Pais: a água. Seja pelo desenvolvimento da agroindústria, seja pela construção de usinas hidrelétricas (como a Itaipu), a água passou a ser a principal matéria prima que sustenta o nosso desenvolvimento social e econômico. E São Paulo, claro, é o principal mercado consumidor disto.

Com a escassez do petróleo e seus derivados (como a gasolina), a indústria automobilística brasileira começou a substituir o combustível que movia os motores que faziam a marcha do nosso progresso, desenvolvendo o etanol à base de cana. Existem muitas outras fontes para a produção de etanol, como a beterraba e o milho (base do etanol produzido nos EUA), mas o etanol brasileiro é considerado de qualidade e rendimento superior aos demais. O etanol chegou nas bombas de combustível e se fixou, permanecendo como nossa principal marca até os dias atuais (nos países do MERCOSUL, é difícil encontrar etanol. O combustível, ainda mais com a chegada dos carros flexnos anos 90, é o principal diferencial da frota brasileira).

Por volta de 2008, quando estourou a crise econômica mundial, e dado a pressão dos países desenvolvidos para que países em desenvolvimento diminuíssem a emissão de poluentes, e devido a histórica instabilidade política dos países produtores de petróleo no Oriente Médio, o etanol brasileiro passou a ser considerado a melhor alternativa para aqueles que buscavam uma saída economicamente viável para a substituição paulatina do petróleo e seus derivados. O resultado foi um boom na produção de cana, com a consequente valorização do preço fundiário da terra (e toda a especulação imobiliária daí decorrente). O interesse dos “gringos” pelo nosso etanol acabou inflacionando o preço do produto no mercado interno, a ponto do então presidente Lula pedir aos brasileiros, proprietários de motores flex, que dessem preferência à gasolina, para forçar a baixa dos preços do etanol.

A crise hídrica que se abate sobre o Estado bandeirante é resultado de uma conjugação complexa de vários fatores, desde erros e escolhas feitas pela administração tucana (que há 20 anos governa ininterruptamente o estado de São Paulo, e que inclusive semi-privatizou a empresa de água do Estado, a SABESP), mas também consequência ambiental dos estragos feitos pelo avanço do agronegócio e do consumo desenfreado. Os péssimos hábitos adquiridos pelo modo de vida consumista “norte-americanizado”, a qual os paulistas (e os brasileiros) se acostumaram está na raiz do problema da falta d’água não apenas em São Paulo, mas no país todo.

A triste experiência nordestina já nos ensinou sobre os enormes danos que o cultivo extensivo de cana, por exemplo, poderá trazer a médio prazo, como a perda da fertilidade da terra. O consumo exorbitante dos recursos hídricos disponíveis também é outro problema, mas mexer nisso significaria afetar poderosos interesses do agronegócio. A conta é simples: produtos como soja e laranja são compostos em média de 70% a 75% de água. No caso da cana, chega a 80%. Outro dia, um engenheiro, amigo, meu comentava algo assustador: “Somos o maior exportador de soja do mundo. A cada tonelada de soja vendida ao exterior, vendemos apenas ¼ de produto bruto. 750 quilos é água. Na verdade, estamos exportando nossa água!”.

No caso da cana, idem. Além disso, carros precisam de estradas para rodar. Para construir o trecho norte do seu tão propalado Rodoanel (um conjunto de obras que interligam as principais rodovias paulistas), o governo paulista destruiu cerca de 180 nascentes que abasteciam a Cantareira.

Hoje, falta água por lá.

Será que a culpa é de São Pedro?

(Artigo publicado na edição do dia 04/02/2015 no jornal Correio do Cidadão, de Campo Mourão. Texto revisado e ampliado)

*Emílio Gonzalez é historiador e professor da UTFPR de Campo Mourão. Também é colunista do jornal Correio do Cidadão. Escreve todas as quintas-feiras para o Blog do Raoni

2 Comentários

2 Comments

  1. Kauana

    5 de fevereiro de 2015 às 19:18

    O senhor acha mesmo que o problema de falta de água é históricamente contruído?

  2. Emilio Gonzalez

    8 de fevereiro de 2015 às 15:40

    Certamente, Kauana. A ideia do artigo é justamente fornecer uma explicação histórica para o problema da falta d´água, para que isto não seja visto como algo acidental, causado apenas pela estiagem. Não discuti a (in)competência da administração do governo paulista, para não parecer partidarismo, mas essa discussão seria pertinente também, especialmente a falta de planejamento, a sub-privatização da água no Estado, entre outros. Mas o foco foi mesmo no estrago que o agronegócio e o uso extensivo da terra para grandes plantações (de cana e laranja, no caso paulista; de soja e outros gêneros, no caso brasileiro) pode vir a gerar, usando como exemplo aquilo que já vimos acontecer no Nordeste, e que, ao que parece, tende a se repetir também no Sudeste e Centro-Oeste brasileiro. Abraços. Emilio.

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