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1945, o jogo vermelho e hoje.

Em ano de Copa do Mundo uma enxurrada de livros sobre futebol foi lançada no país. Um deles chama atenção pela originalidade de ligar futebol à política de maneira intrínseca, e por isso, teve pouco destaque na mídia. É o livro Palmeiras x Corinthians 1945: O Jogo Vermelho, de Aldo Rebelo.

O ano de 1945 foi singular na história do Brasil e do mundo, marcou o fim da Segunda Guerra, do Estado Novo e o Partido Comunista vivia na legalidade pela primeira vez em sua história. Entrava em cena a Guerra Fria, que refez a geopolítica mundial. O que um mero jogo de futebol tem a ver com tudo isso?

Aldo Rebelo faz um panorama histórico do ano em que O Partido Comunista do Brasil (PCB) disputava, pela primeira vez, uma eleição com sua própria sigla. Mas isso implicava também em obter recursos próprios contra todas as adversidades oriundas do sistema capitalista para quem defende propostas revolucionárias contra esse mesmo sistema. Para tanto, o PCB necessita de levantar recursos com objetivo de sucesso eleitoral.

O que o deputado federal Rebelo fez foi dar sua contribuição “não só para a história dos dois grandes clubes de futebol, mas também para a história social do país”, acredita o conselheiro corintiano, Antonio Roque Citadini. Para ele o deputado registra “um fato pouco lembrado pela mídia: o engajamento político-social de duas agremiações esportivas de tamanha popularidade, como Corinthians e Palmeiras”.

Para o professor universitário e militante do PCdoB, Luis Fernandes, “A partir da Revolução de 1930, o futebol desempenhou papel central na construção e consolidação de uma identidade nacional brasileira baseada na valorização do caráter predominantemente mestiço de nosso povo”.

Segundo Luis Fernandes, Aldo Rebelo captou “um momento singular” da história registrando o desenvolvimento dos clubes juntamente “com duas outras ‘tradições’ que também buscavam consolidar sentidos de pertencimento e missão para além do mercado da modernização brasileira: a do movimento sindical e a da organização político-partidária de esquerda no contexto político do fim do Estado Novo em 1945, sob o impacto nacional e internacional da derrota do nazifascismo pelas forças aliadas na Segunda Guerra”.

O futebol

Aldo Rebelo diz que resolveu enfrentar a empreitada deste livro quando, ao visitar a sede do Palmeiras, viu em sua sala de troféus um dedicado ao Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT). Teve a ideia, então, de registrar esse fato esquecido.

Quando Charles Miller, porém, retornou ao Brasil, de seus estudos na Inglaterra, com uma bola e as regras de um novo esporte em sua bagagem, em 1894, não poderia imaginar a verdadeira paixão nacional que o futebol alcançaria neste país.

Talvez porque como conta Chico Buarque em seu livro Leite Derramado, quando o protagonista vê um seu ex-escravo e “amigo” de infância o negro Balbino fazendo malabarismos com uma laranja aos pés e nem conhecia futebol ainda. Sugerindo que talvez esse esporte se enquadrasse à versatilidade e mobilidade do brasileiro, tanto que muitos já tratam o Brasil como o “país do futebol”.

Provavelmente pela forte penetração popular do futebol,o país foi escolhido para ser a sede da primeira Copa do Mundo do pós-guerra em 1950. Quando o Brasil perdeu na final para o Uruguai por 2×1. Com essa derrota, o esporte que tinha tudo para perder o coração do povo, ampliou seu espectro de penetração popular e se tornou o esporte nacional por excelência.

O jogo vermelho foi cuidadosamente articulado pelos dirigentes do MUT, ligados ao PCB, para arrecadar fundos pra os candidatos do partido. Os dirigentes corintianos e palmeirenses aderiram à proposta do MUT, assim como os da Federação Paulista de Futebol (FPF), entre eles Ulysses Guimarães.

Dificilmente poderia ser feito um jogo dessa magnitude com apoio da FPF atualmente, nem mesmo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) aprovaria, talvez nem a Fifa. Mas os dois clubes em voga contam com dirigentes alinhados com ideias progressistas. No Corinthians, Andrés Sanches e, no Palmeiras, Luiz Gonzaga Beluzzo, ambos os presidentes de seus clubes.

A política

O governo de Getúlio Vargas buscava em 1945 ajustar-se aos ventos “democráticos”, buscou aproximar-se das forças nacionalistas e progressistas para que fosse eleita uma Assembleia Nacional Constituinte voltada para os interesses nacionais. Resultado: Vargas foi deposto por um golpe de estado em 29 de outubro de 1945. 1×0 para os conservadores e seu principal aliado os EUA. Na nova situação geopolítica, o Brasil, através de sua elite dominante, submetia-se à política de Washington contra Moscou.

Por causa da eleição de importantes e numerosos quadros comunistas na eleição de 2 de dezembro de 1945, a vitória de Eurico Gaspar Dutra (pela aliança PSD-PTB) para presidente e o arrefecimento da Guerra Fria, o governo brasileiro rompe relações diplomáticas com a União Soviética e declara ilegal o PCB, no dia 7 de maio de 1947, cassando todos os seus eleitos pelo voto popular em 1945.

A cassação do PCB deveu-se em grande parte pelo seu êxito eleitoral e sua forte penetração nos movimentos sociais. De acordo com o historiador Augusto Buonicore “o crescimento do número de filiados foi estrondoso: chegou a 50 mil no inicio de 1945, ultrapassando os 100 mil no final daquele ano, chegando a quase 200 mil em 1946.”

Trabalhadores entram em campo

O MUT foi organizado em abril de 1945, no Rio de Janeiro, e “funcionaria como braço sindical do Partido no movimento”, afirma Aldo Rebelo. E entre as suas bandeiras “estava a luta pela liberdade e pela democracia sindicais.” Os dirigentes sindicais arregaçaram as mangas e puseram-se a trabalhar para aproximar-se das massas e a organização desse jogo de futebol fazia parte de um planejamento para arrecadação de fundos para a eleição de candidatos comunistas.

Como preliminar, foi marcada uma partida entre os sindicatos dos têxteis e da construção civil, de São Paulo. Quando, os trabalhadores realmente entraram em campo com sua alegria e abnegação. Logo após a preliminar, “o estádio vibra com a disputa do clássico e pelo ambiente de liberdade daquele ano de 1945, que leva ao Pacaembu torcedores, operários, jornalistas, sindicalistas e comunistas, quase em confraternização pela chegada da democracia e das esperanças por ela criadas”, firma Rebelo.

Muita água rolou de 1945 para cá. E como o estudo da história é importante pra entender o presente e não repetir os erros cometidos, com as eleições deste ano abrem-se perspectivas esperançosas de maiores avanços para a ampliação das políticas de combate e erradicação da miséria e progresso deste país. E o esporte pode contribuir para ajudar os brasileiros a manter sua auto-estima elevada, como tem sido no governo Lula, a partir de 2002.

O PCdoB à frente do Ministério do esporte tem contribuído para esse intento, principalmente após o período em que o ministro Orlando Silva assumiu a pasta. Trouxe, com Lula e Dilma, a Copa do Mundo de 2014 pra o Brasil, mais de 60 anos após sua última copa, e a Olimpíada de 2016 para o Rio de Janeiro. Vitória do povo brasileiro.

O futebol serve como exemplo da necessidade de esforços em prol da unidade dos que jogam no mesmo time, estão do mesmo lado. Como no jogo vermelho que “foi uma vitória do Movimento Unificador dos Trabalhadores para o acontecimento cuja maior glória seria lotar o estádio e não deixar que a chuva, que caíra insistentemente nas noites anteriores, atrapalhasse a festa popular”, afirma Rebelo.

“Neste início de século XXI, quando o Brasil reencontra um caminho de desenvolvimento baseado no encontro e convergência dessas três dimensões (a tradição clubística, movimento sindical e organização político-partidária) a pesquisa histórica conduzida por Aldo Rebelo sobre este episódio premonitório torna-se leitura obrigatória”, afirma Luis Fernandes.

*Marcos Aurélio Ruy é jornalista

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