A sinceridade das manifestações do último domingo, 16 de agosto, é proporcional ao grau de esclarecimento das pessoas ali presentes. As reivindicações colhidas em placas e tabuletas soaram tão surreais quanto uma nota de 3 reais. Brasileiros de diversas cidades do país foram às ruas clamar contra a corrupção do PT (e somente do PT), vestindo uma camisa da corrupta CBF “por amor à pátria”, a favor de Eduardo Cunha e Aécio Neves – líderes políticos da oposição ao governo Dilma conhecidos por seu passado ligado à ditadura, ao coronelismo, aos desmandos e (inclusive) corrupção -, numa manifestação que se pretendia apartidária. Lá, Jair Bolsonaro, Agripino Maia e Aécio Neves foram recebidos e saudados com tapete vermelho e colocados no palanque para bradarem contra o PT, Lula e Dilma. É um apartidarismo bastante curioso.
Um infográfico divulgado pela Globo após os protestos indicaram algumas coisas interessantes: as manifestações foram mais populosas naqueles locais (cidades) onde o PT foi derrotado nas eleições de outubro passado. Ou, em outras palavras, quem foi às ruas mais uma vez pedir o impeachment de Dilma foi, grosso modo, o eleitorado que quase deu a vitória a Aécio Neves.
Ô, terceiro turno que não acaba nunca…
Para não dar ares eleitoreiros (de 3° turno), a manifestação foi chamada por seus organizadores de “apartidária”. Porém, os mesmos organizadores do protesto também deram voto declarado em Aécio Neves nas eleições passadas. Quem acreditou nessa balela de que a manifestação de domingo foi apartidária (ou foi até as ruas dizendo que estava lá lutando apenas contra a corrupção de um modo geral), ou não entendeu nada, ou aceitou fazer parte da massa de manobra que a oposição hoje realiza para travar o governo Dilma.
Uma manifestação contra a corrupção, onde apenas o PT é criticado (crítica justa, diga-se de passagem), mas na qual partidos como o PMDB, PSDB e DEM são poupados, não pode ser uma manifestação séria. É golpe. E me desculpem meus amigos e leitores que participaram deste grande teatro da oposição acreditando estarem lutando para que as coisas mudem: basta observar, por exemplo, este índice abaixo, elaborado pelo Movimento de Combate a Corrupção eleitoral (MCCE), com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral colhidos entre 2000 a 2013:
(Para acessar ao Dossiê completo, clique em:
http://www.prpa.mpf.mp.br/institucional/prpa/campanhas/politicoscassadosdossie.pdf)
Sim, o PT faz parte do índice, e este texto não se propõe a fazer qualquer defesa ao Partido dos Trabalhadores.
Não, o PT não lidera o índice. Longe disso. Essa nem um pouco honrosa liderança cabe ao Democratas (1°), de Agripino Maia; ao PMDB (2° lugar), de Eduardo Cunha (celebrado por ser oposição, e defendido por alguns manifestantes de domingo); e o 3° lugar ao PSDB, de Aécio Neves e Beto Richa. Importa observar ainda que o 4° lugar do ranking de corrupção cabe ao PP. Apesar de ser um partido pequeno e modesto, é a sigla que acoberta Paulo Maluf e Jair Bolsonaro. Cunha, Neves, Agripino Maia e Bolsonaro são, hoje, as principais vozes da oposição contra o governo Dilma. E à exceção de Cunha, todos os outros estiveram nos palanques de domingo bradando contra a corrupção.
Dá mesmo pra levar essa turma a sério?
Concordando um uma rara e lúcida analise do jornalista Ricardo Boechat (vide vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=4AJ1gmyOQJ0), o fato é que desde sua reeleição, o governo Dilma se encontra acuado e temeroso, pressionado por uma oposição revanchista, e por uma base aliada chantagista que o tempo todo a ameaça com a possibilidade de um impeachment “à força” (já que legalmente, não existem elementos para isto, e foi o próprio jornal New York Times que precisou dizer isto, em célebre editorial escrito após os protestos de domingo).
Hoje, em resposta ao golpismo, os movimentos sociais pretendem ocupar as ruas em apoio ao governo Dilma e à democracia (o respeito a vontade das urnas).
Discordo. Ir às ruas é legitimar os atos golpistas de massa organizados pela oposição. Além disso, Dilma e o PT só se lembram dos movimentos sociais quando estão acuados. Isso porque desde 2003, quando chegou ao governo, o PT vem rifando as utopias e possibilidades dos movimentos sociais, forjadas no terreno das lutas progressistas, em prol da construção de uma questionável e derrapante governabilidade que incluiu alianças com fantasmas e espectros políticos do quilate de Renan Calheiros, Fernando Collor, Paulo Maluf e José Sarney; velhos coronéis acostumados a tratar o “bem público” como “bem privado”. Deu no que deu, e em certo sentido, a Lava-Jato foi consequência disso. Pena que somente o PT acabou imputado por fazer aquilo que as oligarquias brasileiras vinham fazendo há pelo menos 500 anos – e continuarão a fazer assim que o PT deixar o poder. Uma direita fascista e golpista que andava envergonhada por seus crimes cometidos durante a ditadura, e que no seio da própria omissão do governo Lula/Dilma encontraram forças para novamente se apossar do destino político e das instituições legislativas e judiciárias da nação brasileira, colocando em risco as conquistas sociais e progressistas mais recentes da classe trabalhadora brasileira.
Como acreditar na sinceridade daqueles que dizem querer construir uma nova nação, tomando por base o ódio cego e irracional a estrangeiros, e que só enxergam a corrupção e todos os males de 500 anos de desmando e espoliação, personalizando todo seu ódio político em apenas um entre todos os outros 33 partidos políticos atualmente existentes no Brasil?
Desde junho de 2013, ficou claro que o vazio de informações e o ódio obstinado e cego construído pelos meios de imprensa contra um único partido, permitiu que essa raiva coletiva contra tudo e contra todo o sistema político brasileiro acabe na conta do PT. O que essa turba não consegue perceber é que, ao adotar histericamente o discurso do anti-petismo, uma vez encerrado o governo petista (pelo impeachment, renuncia ou mesmo pela provável derrota eleitoral em 2018), todos voltarão para casa, como numa terapia coletiva, e os demais partidos que hoje assaltam a nação estarão salvaguardados de qualquer desgaste ou risco de extinção. E a vida seguirá normalmente pelos próximos 500 anos, sem que nada de radical tenha se modificado por aqui.
Com ou sem o PT, a política brasileira jamais conseguirá se modificar enquanto permanecer aferrada a velhas amarras oligárquicas, onde Collors, Renans, Cunhas, Neves, Richas, Bolsonaros e outros caciques continuarem a dar as cartas por aqui. No fundo, esse grande “carnaval de rua” serve para demonstrar que, ao contrário do que dizem, estes protestos, longe de salvarem a democracia, a estão sangrando cotidianamente, transformando alternativas e práticas antidemocráticas (como o impeachment e a própria ditadura) em soluções possíveis, e até desejáveis.