No plenário da Câmara de Deputados, no último domingo, um célebre defensor da Ditadura foi ovacionado após vincular seu voto contra Dilma ao estupro da memória de centenas de mulheres brasileiras torturadas durante o período militar. Bolsonaro – e aqueles que o aplaudiram no Congresso e nas redes sociais – chamou de herói homens covardes como Coronel Brilhante Ustra, que mancharam a reputação das forças armadas usando o poder repressivo do Estado brasileiro para privar de liberdade, humilhar, torturar e estuprar mulheres nos seus cárceres particulares. Como prêmio, morreu feliz, livre e com uma bela e gorda aposentadoria por seus serviços prestados à desumanidade.
Como me disse certa vez um militante dos Direitos Humanos torturado pela Ditadura, essa foi a verdadeira “bolsa ditadura”.
A geração de Dilma está muito bem representada por meninas sonhadoras, mães de familia, professoras e ativistas que não aceitaram serem apenas “recatadas e do lar”, e partiram para o enfrentamento. Muitas (como Dilma) acabaram seviciadas, estupradas, torturadas em suas partes íntimas, expostas nus em paus de arara e ali mantidas durante as trocas de plantão, como se fossem vasos de planta penduradas nos porões.
Não eram e jamais aceitaram serem apenas “mulheres decorativas” de homens ricos e poderosos da política brasileira. Foram mulheres, com M maiúsculo, sem as quais hoje inclusive nem mesmo aqueles que defendem Bolsonaro, poderiam fazê-lo livremente, sem medo de ser preso por sua opinião.
O voto de Bolsonaro não foi apenas contra Dilma. Foi um voto a favor do machismo assassino. Foi um voto a favor de homens que entendem que uma mulher é apenas seu objeto particular de prazer e uso. Muitos torturadores diziam às presas, com um sorriso irônico e malévolo: “Você está em minhas mãos. Posso fazer o que quiser com você e com seu corpo!”. E faziam. Estupravam, espancavam, forçavam o aborto (para aquelas que eventualmente estavam grávidas quando da prisão).
Homens que estupravam mulheres e matavam bebês nos cárceres são hoje heróis de Bolsonaro. Estranho mundo: achei que Bolsonaro não gostasse de bandidos. Achei que Marco Feliciano defendesse ideais cristãos, entre os quais “Não matarás” e “Ame o próximo como a ti mesmo”. Não. Bolsonaro e Feliciano agora são colegas do mesmo partido (o PSC) e aparecem alegremente abraçados e comemorando o voto do relator que pedia o Impeachment de Dilma, no domingo.
Depois dos Tribunais de Nuremberg, homens como Jair Bolsonaro deveriam sair presos por proferirem apologia ao estupro nos cárceres políticos. Jamais ovacionados por seus colegas de casa, como ocorreu.
O que significa ser mulher no Brasil do século XXI?
Nessa semana, a revista VEJA trouxe em sua capa uma matéria especial para exaltar uma personagem até então insignificante da política brasileira, uma espécie de “Maria-chuteira” da política; Marcela Temer, uma modelo que “tirou a sorte grande” ao seduzir um homem – e receber a contrapartida dele – que poderia ser o seu avô. Nos botecos da minha quebrada – e peço licença pelo uso de um termo de baixo calão -, meus manos chamariam Marcela de “puta de luxo”: uma bonequinha particular para uso do agora quase presidente do Brasil. Mas para tirar essa pecha de “Barbie” decorativa para uso sexual do vice-presidente, a Revista VEJA caprichou nos termos escolhidos: “Bela”, “recatada” e “do lar”. São eufemismos para quem, na verdade, queria dizer: “Fútil, submissa e ciente de que mulher não deve se meter em política dos homens”.
Marcela Temer, a bela, loira, submissa e alienada pré-Primeira Dama, passa agora a ser um modelo a ser seguido nas páginas da Veja; ironicamente, é a mesma revista que há anos vem dispensando um tratamento nada amável e respeitoso a outra mulher brasileira, Dilma, que só aparece em suas páginas para ser ridicularizada: “anta”, “incompetente”, “terrorista”, “feia”, “dentuça”, “burra”, etc. Até mesmo sua orientação sexual tem sido colocada em dúvida, como se isso fosse um “defeito”. Seria Dilma… sapatona? Ou: por que nem mesmo seu marido a suportou? Nas palavras de seus redatores, parece inconcebível que uma MULHER (sim, em caixa alta mesmo: MULHER!) desacompanhada (de homem, claro!) dirija esse país.
Não nos esqueçamos que o Brasil é um país onde mais da metade dos lares são dirigidos no peito e na raça por mulheres como Dilma: mães solteiras, há anos sem marido que “lhe sustente”, e que precisam sozinhas resolver todos os assuntos elementares da casa, desde a conta de água ao material escolar dos filhos, do aluguel ao asseio da roupa e da casa, sem tempo para se preocupar com a própria beleza e vaidade pessoal e sem dinheiro para fazer plásticas e tratamentos de beleza. Várias delas já são idosas. A maioria, tornadas “feias” pelas marcas do tempo, das lutas que empreenderam no pão de cada dia, as rugas de preocupações com o que comer no dia seguinte, enquanto seus filhos dormem despreocupadamente pensando apenas na pelada de rua com os amigos…
Daí que, para a Veja, exemplo de “mulher” a ser seguida só vale se for uma bonequinha alienada e bela. Mulheres feias, velhas, sofridas, são anti-exemplos. Dilma não serve. Marcela Temer, sim.
VEJA coloca debaixo do tapeto a verdadeira mulher brasileira, a valorosa, guerreira, batalhadora, enrugada e idosa, tornando invisível a luta e o valor de milhões de mulheres deste país. Em troca, oferece como modelo a Barbie decorativa de Michel Temer.
No fundo, VEJA apenas repete o ato insano e doentio de Jair Bolsonaro: nega a mulher batalhadora seu direito à memória e a dignidade, ao orgulho próprio. Para ele, como para a Veja, seria ótimo que as mulheres (como Dilma) desde cedo entendessem que o seu papel deve ser o de meras e belas “decorativas”; e que política é assunto de homens.
(foto: Sebastião Salgado)
José
20 de abril de 2016 às 17:26
Nunca vi tanta doutrinação ideológica… Não apoio os métodos do Coronel Brilhante Ustra e nem Bolsonaro, mas tratar guerrilheiros e terroristas como era a Dilma e seus comparsas como santos e inocentes é demais. Tentavam empurrar o socialismo no Brasil à força, explodiram bombas, sequestraram aviões e levaram pra Cuba, assassinaram e torturaram inocentes e isso ninguém fala. Eles nunca brigaram por democracia, isso é mentira!!! Eles lutavam para implantar uma ditadura comunista e defendiam Che Guevara, Fidel Castro, etc.
Mãe de aluno
23 de abril de 2016 às 22:54
Como vai professor Emílio. Brilhante seu comentário. Recomendo a você José, um pouco mais de conhecimento histórico. Quanto a luta contra o golpe de 64, você deve procurar mais informações. A demonização daqueles que morreram pela democracia também é intencional.O maior orgulho dos opressores é colocar o oprimido defendendo seus crimes. O mais triste disso tudo é ter vivido essa história e ter que ficar explicando que os crimes cometidos nesse período pelos militares foram contra trabalhadores, estudantes, intelectuais, jornalistas, médicos, pais de família, mães de família, professores, religiosos, entre tantos outros brasileiros, inclusive crianças que nem sabiam da existência do golpe porque foram arrancadas aos pedaços do ventre de suas mães como forma de tortura. Imagine você, que os canalhas que cometiam essa violência possuíam um lindo discurso contra o aborto. Esses mesmos criminosos hoje se transvestem através de um psicopata que traz em discurso aberto, o fascismo como ideologia. Sinto muito, mas por mais que aqueles que lutaram pela democracia em nosso país tenha se excedido, jamais conseguiram chegar perto da brutalidade e dos crimes cometido pelos torturadores e seus mandantes durante o Regime Militar. Mais um detalhe, já passou da hora de superar o medo do “comunismo”, afinal, nem mesmo os socialistas entenderam essa paranoia.
Professor Emílio, obrigada por escrever com tanta verdade para nós MULHERES.
JOSÉ
24 de abril de 2016 às 13:30
Recomendo a você mãe de aluno mais conhecimento histórico… Os militares interviram pra impedir a instalação do socialismo no Brasil… Se não fossem eles, seriamos uma Cuba, ou Venezuela hoje. Esses grupos em 1961 já se preparavam pra isso, com treinamento em Cuba, financiado pela URSS e Coréia. Essa ideia de socialismo tem que acabar e ser banida igual foi o nazismo, que matou bem menos gente do que o socialismo.
Mãe de aluno
24 de abril de 2016 às 15:54
Prezado José. O conhecimento que você tão gentilmente me recomenda, já o tenho.
Se discordo dele, é pelo fato de ter vivenciado o nascimento e graças a Deus, a morte desse regime. Além da história viva, me embaso no conhecimento histórico dos dois lados: do opressor e do oprimido, tanto o discurso dos militares quanto relato dos sobreviventes. Para construir uma opinião serena dos fatos históricos, não podemos nos embasar nas falas de apenas um dos lados. Respeito sua forma de pensar, porém, discordo dela. Cuba é uma realidade, Venezuela é outra. Me desculpe, não creio que Cuba seja exemplo a se comparar com o Brasil. Esse discurso do Brasil sendo dominado pelos comunistas ainda é discurso do período da Guerra Fria, ficou no século passado. Mas concordo com você, foi um argumento bastante eficaz utilizado para justificar o golpe. Tão eficaz que depois de tanto tempo, os brasileiros ainda acreditam nele.
Tenha uma boa semana de trabalho. Acredito que você, assim como eu, junto com milhões de brasileiros, por mais que divergimos na forma de pensar, trabalhamos para que esse país se torne justo e igualitário para todos, homens e MULHERES.
Leandro do Nascimento
8 de outubro de 2016 às 11:45
Como vai Emilio? Não sei se você se recorda de mim, fizemos a graduação juntos. Interessante demais o seu ponto de vista no assunto. A diversidade de opiniões, e as maneiras de expressar repúdio ou concordância, elevam ainda mais a nobreza do tema e a atenção que ele requere. Enfatizo ainda que os regimes que lemos, estudamos, acompanhamos ou vivemos, de forma nenhuma entregam a sociedade e que seria agradável a todos, mas uma das formas de buscarmos isso é o debate, como acontece em sua coluna. Parabéns!