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Coluna do Emílio Gonzalez

Coluna do Emílio Gonzalez – A faixa e os “fachas”: de volta a Auschwitz

A coluna de hoje traz dois textos que produzi durante a semana. O primeiro, “A faixa e os ‘fachas’: de volta a Auschwitz” é inédito. O segundo, intitulado “Protestos contra o PT no Brasil dos trabalhadores”, foi publicado no jornal Correio do Cidadão, de Campo Mourão, na edição de 14/04. O texto apresenta pequenas modificações.

opçãoA FAIXA E OS “FACHAS”*: DE VOLTA A AUSCHWITZ

O post segue acompanhado de uma imagem que correu as redes sociais depois dos protestos do último domingo, 12/04.

Na imagem, aparentemente, há uma incoerência: ao invés de três, aparecem apenas duas “opções”: renúncia, ou impeachment.

No começo, eu ri, julgando se tratar de um piada, ou de um erro de quem produziu a faixa mesmo.

Infelizmente, a piada não sobreviveu aos fatos.

Existia sim uma terceira opção: suicídio.

Eu preferia a piada.

Muitas pessoas sérias não perceberam a tosca montagem (sim, na imagem se percebe claramente que uma palavra foi “apagada” e sobreescrita. Ao que parece, foi feita mesmo para parecer uma manipulação tosca de imagens). Entre faixas, imagens e cartazes com dizeres absurdos, captados das ruas nos protestos de domingo, essa faixa acabou reproduzida como parte do show de absurdos deste monstro fascista que emergiu e cada vez ganha mais força no Brasil atual.

Um colega meu, professor universitário da área de Humanas e militante de esquerda, reproduziu a imagem, seguido de comentários irônicos (ele não percebeu a tosca montagem), e logo foi ridicularizado por um ex-aluno seu. Entre outra coisas, o ex-aluno o desqualificava profissionalmente, dizendo que este era o professor que na sala ensinava ética aos alunos, e nas redes sociais, reproduzia mentiras.

Graças a essa “brincadeira” da faixa, o foco do problema mudou de lado: ao invés das pessoas (as sanas) discutirem a apologia a um crime de lesa-humanidade que está presente nos dizeres dessa faixa, o grande vilão passaram a ser os piadistas de internet, tratados como cruéis “manipuladores” de imagens e fotografias.

Os verdadeiros criminosos, os fascistas que produziram a faixa, como de costume, ficaram ilesos. E, como de costume (desculpem a redundância), ainda saíram como “vítimas”.

Não vejo outra possibilidade senão entender que a faixa (a original, com o pedido de “suicídio” de Dilma) só pode ser fruto da cabeça doentia de quem viveu dentro de uma caverna nos últimos 90 anos.

Pedir a morte de outra pessoa simplesmente porque ela pensa ou se filia a um partido/corrente diferente daquilo que gostamos ou compactuamos, não constitui apenas um desrespeito à democracia em seu estágio atual: é um grave crime contra a humanidade.

Advogar pela morte de seus inimigos políticos significa que não aprendemos nada com a História, mesmo depois de termos testemunhado com horror as tristes experiências dos campos de concentração nazistas, dos Gulags soviéticos e dos porões das ditaduras militares no Brasil e na América Latina.

Os tribunais de Nuremberg foram intencionalmente exemplares em seus veredictos e em seu rigor para com os criminosos que tornaram possível a engrenagem do nazi-fascismo. Desde lá, defender a morte de inimigos políticos não é liberdade de expressão: é crime!

Eu preferia ter ficado com a piada tosca e boçal. Eu realmente preferiria acreditar que o sujeito que escreveu a faixa é apenas um analfabeto mal formado ou instruído, ou que tudo não passou de uma piada grosseira de facebook.

Infelizmente, a faixa original não deixa dúvidas: não há erro de escrita: o erro é de História mesmo.

É um erro de desumanidade.

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* “Facha” é um termo pejorativo derivado da palavra italiana “fascista”, e que quer indicar alguém que compactua das ideias e práticas do fascismo.

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PROTESTOS CONTRA O PT NO BRASIL DOS TRABALHADORES

Em primeiro lugar, duas assertivas são necessárias:

  • O governo do PT não representa a classe trabalhadora brasileira.
  • Os manifestantes que foram às ruas no último domingo, 12 de abril, não representam a classe trabalhadora brasileira.

Das quase 3.000 pessoas esperadas nos protestos contra o governo federal em Campo Mourão, no ultimo domingo (12/04), estima-se que pouco mais de 300 tenha realmente comparecido. A participação pífia, naturalmente, frustrou os organizadores. Um deles desabafou a um meio de imprensa local: “Estamos fazendo este manifesto para acordar a população”.

E quem eram os organizadores? Entidades patronais e empresariais, eufemisticamente chamadas de “movimentos sociais” – isso para não ficar tão evidente a vinculação social e econômica do grupo que, desde 2003, pede, seletivamente, a cabeça de Lula, Dilma, e do próprio PT, como solução para o fim da corrupção que corrói nossas instituições políticas.

O anti-petismo “de classe”, justo ou não, não é privilégio de Campo Mourão. Na pequena cidade de Marechal Cândido Rondon, situada no oeste do Estado do Paraná, os manifestantes organizaram um “tratoraço” para protestar contra o governo federal no domingo. A cidade, apesar de ter apenas cerca de 50 mil habitantes, é, desde os anos 1960, uma das mais ricas no cenário regional do agronegócio paranaense. Nesse ramo, onde predomina a monocultura, o trator sempre foi símbolo de status e de modernidade. É, também, símbolo da concentração fundiária.

Ao tratoraço promovido pelos donos da soja, seguiu-se um desfile de automóveis: carros do ano, potentes caminhonetes e outros veículos geralmente desejados pelos abastados plantadores de soja e milho transgênicos cotados em dólar, e vendidos preferencialmente ao exterior. Embora auto-rotulados como aqueles que “alimentam o Brasil”, o agronegócio representa apenas 30% dos alimentos que efetivamente chegam às mesas da população brasileira. Os outros 70% vem da agricultura familiar: pequenos sítios e chácaras não mecanizados, muitos dos quais estabelecimentos rurais gerados a partir da pressão social por reforma agrária, como aquelas feitas pelo MST.

Nos protestos de domingo, inclusive nas cidades do agronegócio, várias faixas pediam o fim do MST.

Poucos daqueles agricultores familiares – os que realmente alimentam o Brasil – foram às ruas contra Dilma no domingo. Ao contrário: dias atrás, Dilma encontrou-se com alguns destes, assentados no Rio Grande do Sul. Lá, embora a presidenta tenha discursado em defesa do “ajuste fiscal” (medida tão criticada pelos movimentos sociais, incluindo o MST), foi ovacionada e defendida. Lá, os trabalhadores apoiaram Dilma. No domingo, as entidades patronais e empresariais rejeitaram Dilma e o PT.

Não é um marxista contumaz e embriagado pela teoria de classes que está “inventando” a teoria de que o anti-petismo atual resulta de uma divisão social de classe. Um estudo da USP, publicado pela insuspeita Revista Época no decorrer dessa semana, trouxe alguns dados interessantes: a maioria dos manifestantes que foram à Avenida Paulista no domingo contra o PT era constituída de gente branca (77,4%) —  13,3% eram pardos e 4,9% negros. Outro dado: 48% dos manifestantes tem renda mensal superior a R$ 7.900,00.

Flashes ao vivo das TVs captavam imagens de outras capitais brasileiras. Cidades conhecidas por serem redutos de populações negras. Entre as quais, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Nestes flashes, a “massa” que protestava também era constituída de uma esmagadora maioria de “gente branca”. Os poucos negros que apareciam, na maior parte das vezes, estavam trabalhando, como sempre; vendendo água, refrigerante, suco, sorvete ou algo com o qual pudessem faturar algum “trocado” daquela turma endinheirada que pagou 200 reais numa camisa oficial da CBF para ir às ruas pedir o fim da corrupção.

Por outro lado, os trabalhadores e pobres podem até não concordar com os rumos tomados pelo governo federal, mas depois de tantas décadas oprimidos por ditaduras e governos oligárquicos, aprenderam que o melhor caminho ainda é a democracia, mediada por movimentos sociais de reivindicação coletiva em prol de sua classe, e sobretudo, o respeito às instituições democráticas e à vontade expressa nas urnas.

Curiosamente, na semana que antecedeu os protestos, a Câmara de Deputados do Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei 4330, um nefasto instrumento que permitirá a terceirização das relações de trabalho em todos os setores de uma empresa, inclusive estabelecimentos rurais – cujo alcance dos direitos trabalhistas já é tão sofrível e precário. Os manifestantes de domingo nada falaram a respeito do projeto aprovado. Isso, apesar da imensa repercussão que o assunto teve na TV e nas mídias sociais. Muitos admitiram não “acompanhar” as discussões feitas no Congresso. Assim, preferiam não comentar nada “sem ter base”.

Uma pena. Durante a semana, a TV Câmara mostrou ao vivo os debates, e flashes foram reproduzidos a todo momento na Globo News, Band News e outros meios de imprensa totalmente acessíveis (e voltados) à classe média e média alta brasileira. Ali, ao vivo, sem cortes e sem medo das câmeras de TV, Eduardo Cunha (que recentemente ganhou até capa na Revista Veja) articulou o grupo que aprovou o PL 4330, unindo PMDB, DEM e PSDB, contra o PT, PSOL e PCdoB. Para aqueles que preferem enxergar a política com base em “fofocas” e “babados”, realmente fica difícil entender porque as coisas funcionam da forma como funcionam.

A mesma “desinformação” dos manifestantes parecia não intimidá-los quando o assunto era o impeachment de Dilma, a cassação do registro do PT e o pedido de intervenção das forças militares. Depreende-se aqui um fato inegável: há uma certa histeria coletiva que tomou conta de alguns setores médios brasileiros – os mesmos que foram às ruas contra o PT no domingo. Estes, admitidamente, não estão interessados em compreender o funcionamento do sistema político que transformou o PT em um partido corrupto e clientelista. Neste caso, a TV Câmara não resolve mais. A solução pode estar na clínica psiquiátrica.

Embora os manifestantes de domingo não tenham demonstrado preocupação ou indignação, o PL 4330, caso seja sancionada, poderá promover a precarização das condições de trabalho e o desmonte de direitos trabalhistas conquistados ao longo das últimas 7 décadas no Brasil.

Os manifestantes de domingo não demonstraram qualquer solidariedade ou interesse com as aflições dos trabalhadores que dependem destes direitos e garantias legais para sobreviver. Como no Congresso mais conservador dos últimos 50 anos, nos protestos de domingo, a classe trabalhadora também não estava representada.

Como é sabido, partidos como o PMDB e PSDB albergam boa parte dos empresários e fazendeiros brasileiros, enquanto partidos como PT, PCdoB e PSOL, com todos os defeitos e contradições possíveis, são constituídos em sua maioria por sindicalistas, professores, intelectuais, trabalhadores experimentados nos mais diversos ramos da produção, líderes de entidades sociais e organizações da classe trabalhadora. Com efeito, a votação do PL 4330 opôs, de um lado, os anseios da classe trabalhadora, e de outro, os anseios dos patrões. Graças a PMDB, PSD, PDT, PSD, DEM e PSDB, os patrões venceram. O PT, em contrapartida, votou em peso (61 votos) contra o PL 4330.

Talvez, se estivessem um pouco mais interessados nas questões concernentes à classe trabalhadora, os organizadores do protesto saberiam porque os trabalhadores ainda resistem à ideia de ir às ruas contra o PT.

Neste caso, não se trata de uma questão de falta de consciência política, como querem acreditar os frustrados organizadores dos protestos; trata-se, sim, de excesso de consciência histórica.

1 Comentário

1 Comentário

  1. Rogério Tonet

    16 de abril de 2015 às 14:14

    Excelente texto!!!

    Parabéns Emilio!

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