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Coluna do Emílio Gonzalez

Coluna do Emílio Gonzalez: A Greve dos caminhoneiros – Prelúdio de um Golpe?

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Por Emílio Gonzalez

Há um assustador cheiro de golpe no ar.

Como geralmente desconhecemos a história da América Latina, poucos irão se recordar que uma grande greve de caminhoneiros, ocorrida nos primeiros meses de 1973, antecedeu o golpe de Estado de 11 de setembro no Chile. Na ocasião, a greve dos caminhoneiros havia sido convocada pelos sindicatos patronais. Mais tarde, soube-se que os empresários chilenos receberam dinheiro do governo norte-americano (através da CIA) para fazer a greve. O afã em desestabilizar o governo socialista de Salvador Allende era tal, que o empresariado chileno não se melindrou a mergulhar o País numa grave crise de desabastecimento, que afetava (como sempre) a população mais pobre.

Empossado apenas 2 anos antes, em 1971, a ideia dos patrões, aliados dos EUA, era tentar quebrar a espinha dorsal que sustentava o único governo democrático então existente na América do Sul. Atingindo o povo pela fome, seria lógico que Allende perdesse seu grande apoio popular, especialmente nas camadas mais pobres da sociedade.

A geografia chilena é bastante peculiar: boa parte de seu solo é constituído por neve e geleiras (sul), rochedos (costa litorânea), e areia e salitre (norte). Resta ao Chile apenas cerca de 7% de solo propício à agricultura. Portanto, uma greve de caminhoneiros seria fatal para o abastecimento de remédios, alimentos e víveres no comprido País andino, de centros urbanos e regiões metropolitanas, a comunidades rurais e vilarejos isolados. Sem estes víveres, o País ficaria à beira do colapso.

Porém, ao contrário daquilo que esperavam os empresários, a população mais pobre e diretamente atingida pela greve, decidiu reagir com firmeza na defesa do governo que haviam escolhido e empossado apenas dois anos antes. Os trabalhadores se mobilizaram criando grupos de solidariedade e comitês de fiscalização, que atuavam sobretudo nas periferias da capital, onde a fome era mais visível. Estes comitês de fiscalização visavam localizar, denunciar e obrigar comerciantes que estocavam produtos de forma clandestina (cujos preços estavam tabelados pelo governo), a vendê-los no mercado regular, pelos preços vigentes. A prática então havia sido esconder estes produtos, se recusando a vendê-los pelos preços oficiais, para em seguida vendê-lo no mercado negro por 5, 10 vezes o seu preço de tabela. A tentativa de colocar a população pobre contra Allende fracassou. Ao contrário, acentuou ainda mais os laços de solidariedade dos pobres com o governo da UP (Unidad Popular), e reforçou na população a sensação de que havia um complô da burguesia chilena para derrubar Allende. Restou à burguesia, latifundiários e EUA se aliar aos militares para dar o golpe, o que acabou ocorrendo num fatídico 1 de setembro de 1973, e que mergulhou o Chile numa das mais sangrentas e longevas ditaduras da América do Sul.

***

Em primeiro lugar, evoco aquela vergonhosa greve dos caminhoneiros chilenos, que mais tarde se mostrou parte da articulação golpista da direita chilena, não porque considero ilegítimos os reclames dos trabalhadores rodoviários que desde a semana passada decidiram cruzar os braços e bloquear as principais rodovias no Brasil.

Também sou sindicalista. Também estou na rua lutando pela ampliação e/ou manutenção dos direitos sociais e trabalhistas conquistados às duras penas, com muito suor, sangue e lágrimas, pelas sucessivas gerações de trabalhadores que decidiram enfrentar o poder e ir às ruas se mobilizar.

A greve dos caminhoneiros é legítima. Ponto final.

Não se pode negar como justo os reclames de uma categoria cada vez mais explorada e sucateada. O problema, porém, não está na luta dos trabalhadores rodoviários, mas no inimigo contra o qual eles – provavelmente induzidos pela forte propaganda da mídia e o dos setores de direita – escolheram lutar.

Algumas coisas nessa greve não me convencem:

  • Afatia do governo federal, que incide sobre o preço final do combustível, corresponde modestos 6%, incluídos aí impostos como CIDE, PIS e COFINS.
  • O restante dos impostos (sobretudo ICMS), na casa dos 27%, ficam nos cofres dos governos estaduais.

Mesmo assim, nos protestos dos caminhoneiros, de uma forma geral, os ataques são dirigidos exclusivamente contra o governo federal, poupando os governos estaduais dos reajustes no combustível. Com apenas 6% do controle sobre o preço final, Dilma, em verdade, teria muito pouco a fazer que pudesse realmente impactar significativamente no valor final do produto.

Outra reclamação dos caminhoneiros também se refere aos altos valores dos pedágios das rodovias brasileiras. De fato, os pedágios encarecem sobremaneira os fretes, e em muitos casos (como nas rodovias paranaenses), praticamente dobram o custo da viagem.

Aqui vem uma pergunta oportuna: quem privatizou as rodovias paranaenses e nacionais? Foi o PT de Dilma?

Memória curta. No contexto das privatizações e do desmonte da estrutura estatal, levada a cabo de forma violenta durante os governos PSDB/PFL (DEM), o sistema ferroviário brasileiro também foi completamente desmontado. O pouco que sobrou, hoje, está nas mãos da iniciativa privada, e não transportam passageiros (o que certamente diminuiria o custo de manutenção das estradas, o numero de mortes e acidentes em rodovias, e os impactos ambientais).

Quando vemos (como se viu aqui no Paraná) as pessoas transloucadas correndo aos supermercados para estocar comida, e filas intermináveis nos postos para comprar combustível, não associamos que, não fosse a privatização do sistema ferroviário feita pelo governo FHC, o transporte de cargas hoje não estaria tão dependente dos caminhoneiros, e milhares de toneladas de alimentos poderiam seguir viagem em trilhos, poupando nossos asfaltos de buracos, nossos motoristas de acidentes, e os pedágios de cobrarem preços abusivos.

Não se trata de livrar a cara de Dilma e do PT da críticas. Nessa semana mesmo, docentes das universidades federais de todo o País estão em Brasília, realizando protestos contra os cortes na Educação anunciados pelo Planalto, do mesmo modo que professores e servidores da rede estadual de Ensino do Paraná estão em Curitiba cobrando seus direitos.

Justo e justo, e devemos dar os nomes aos bois. Afora o anti-Petismo irracional, a quem devemos efetivamente atribuir a culpa pela atual greve dos caminhoneiros, e a consequente crise de abastecimento, com seus efeitos no processo inflacionário e no racionamento de alimentos e combustível?

A resposta a estas perguntas, infelizmente, podem vir da triste experiência chilena.

*Emílio Gonzalez é historiador e professor da UTFPR de Campo Mourão. Também é colunista do jornal Correio do Cidadão. Escreve todas as quintas-feiras para o Blog do Raoni.

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