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Educação

Coluna do Emílio Gonzalez: Governador Beto Richa, descontente com a greve na educação? Sugestão: renuncie, e mude de profissão!

Foto: Raoni de Assis / Correio do Cidadão

Foto: Raoni de Assis / Correio do Cidadão

Por Emilio Gonzalez*

O ano começou agitado nas escolas públicas e universidades estaduais paranaenses.

Ou melhor: nem começou.

Os alunos que chegaram para o primeiro dia de aula na última segunda-feira (09/02) deram de cara com portões fechados, e muitas faixas de protesto. Professores e servidores públicos da Educação de todo o Estado decidiram entrar em greve. No caso dos professores da rede estadual de ensino (Ensino Fundamental e Médio), a greve foi decidida por unanimidade, na histórica assembleia realizada pela APP (sindicato que representa a categoria) em Guarapuava, no sábado (07/02). Nas universidades, assembleias locais dos respectivos sindicatos que representam seus servidores deflagraram a greve na UEM, UEL, UEPG, UNICENTRO, UNIOESTE E UEPR (UNESPAR). Infelizmente, e de maneira inglória, a greve geral da Educação é um marco que ficará tristemente celebrizado na história do Estado do Paraná. Ao contrário do que se diz, não se trata de uma greve feita por sindicalistas profissionais e lideranças contumazes, mas por pais de família e trabalhadores que, sem dinheiro para pagar aluguel, comprar gás de cozinha e alimento para sua família, decidiu entrar de corpo e alma na luta pela defesa da Educação.

Encastelado em seu Palácio, e indiferente aos dramas causados pela ingerência de seu (des)Governo, Beto Richa desconversou e tentou transferir a responsabilidade pelo caos na Educação a terceiros. Primeiro, disse que a greve era político-partidária (como se estivéssemos às portas de um processo eleitoral), e jogou a culpa sobre os sindicatos, especialmente a APP (Associação dos Professores Paranaenses). Para isso, precisou fazer uma delirante ilação, dizendo que os sindicatos são vinculados à CUT, e, logo, também ao PT. Portanto, a greve é responsabilidade do PT. O governador certamente ignora a complexa organização sindical e as disputas políticas internas, e sobretudo o caráter plural e apartidário dos sindicatos docentes. Tanto que, entre abril e setembro de 2012, sindicatos docentes (neste caso, das universidades federais) também lideraram uma longa greve de 120 dias contra as políticas do Governo Federal (PT). Teria sido essa greve orquestrada pelo… PT e pela CUT, contra o PT? Estranho…

Mas a prática de tirar a responsabilidade de suas costas é contumaz de Beto Richa. O conjunto de medidas que tenta retirar direitos históricos dos trabalhadores da Educação e demais categorias do serviço público (apelidada jocosamente como “Pacote de Maldades”) poderia muito bem ter sido aprovada mediante decreto do Governador. Porém, certo de sua esmagadora maioria na Assembleia Legislativa (ALEP), Beto Richa decidiu “lavar as mãos”, e deixou a responsabilidade (e o ônus político delas) nas mãos de sua bem articulada e fiel base parlamentar. A primeira tentativa de votação do pacote terminou em quebra-quebra e invasão da ALEP pelos servidores em greve. Os comboios que seguiam para Curitiba foram alertados de que a polícia estaria parando os ônibus de turismo (que, neste caso, levavam manifestantes), para evitar e/ou atrasar sua chegada à Capital no dia em que o pacote seria votado. Beto Richa age como se os professores e servidores não tivessem motivos para querer a greve. Neste caso, a greve não seria uma resposta social ao “tratoraço” autoritário do governo, mas um movimento insuflado pela APP, que estaria pagando pessoas para ir protestar na capital.

Com uma forte máquina de propaganda a favor, com o conservadorismo reinante na sociedade brasileira (algo expresso no crescimento exponencial das bancadas evangélicas, militares e do agronegócio), e com a criminalização dos movimentos sociais, é natural que a sociedade tenda a deslegitimar e condenar aqueles que estão na luta pela Educação pública no Paraná. Como a mulher estuprada, que chega na delegacia chorosa, e ao invés de consolo, ainda ouve do delegado: “Com que roupa você estava? Onde? Era muito tarde?”, a sociedade conservadora brasileira tende a condenar não quem oprime, mas quem decide lutar contra os opressores.

Indo direto na raiz imediata dos motivos que deflagraram a greve geral, duas coisas chamam a atenção: 1) a desmobilização quase absoluta dos sindicatos docentes, esvaziados e cada vez mais isolados no plano das lutas sociais; 2) como consequência,  uma completa despolitização da classe docente, que, embora formadora de opinião, prefere passar seu tempo extra-sala em sites de fofoca, BBBs e novelas, do que em blogs de análise política e de conjuntura. Como me dizia uma liderança sindical no auge da greve de 2012, “as pessoas passaram e ver a luta sindical como um sacerdócio. Dizem: ‘luta aí por mim. Você é mais preparado para isso!’”. Na ocasião, em Campo Mourão, cerca de 150 professores haviam cruzado os braços, mas a frequência média nas assembleias e reuniões sindicais não passava de 20 pessoas. Unidos na causa, desunidos na base. Na rede pública estadual, a situação é ainda pior, dado o enorme grau de proletarização da categoria docente, e as subdivisões experimentadas entre professores efetivos (QPMs) e temporários (PSS). No adágio popular, dizem que QPMs não lutam porque já passaram no concurso; e PSS sequer estão incluídos no sistema, e portanto, não tem nem mesmo o privilégio de lutar. A proletarização e a precariedade das condições de vida dos professores os levam também a diversificar suas atividades econômicas, empregando parte do seu tempo em serviços domésticos, comércio e outras ocupações. Ou seja: mesmo que quisesse, ninguém tem tempo para lutar. Manifestações públicas geralmente não reúnem mais do que uma centena, duas talvez, de professores. Não fossem alunos participarem de passeatas, ajudando a engrossá-las, os protestos docentes pareceriam uma roda de chimarrão.

Diagnóstico verdadeiro ou não (ou apenas parcialmente verdadeiro, dependendo da região), o fato é que uma das características das lutas na Educação é justamente o completo grau de desmobilização e desinteresse da categoria docente. Daí a surpresa quando, sem trabalho prévio de base (estavam todos em férias escolares), os sindicatos conseguiram aprovar uma greve geral na Educação, antes mesmo do início do ano letivo.

Os motivos da greve, portanto, não devem ser atribuídos a um suposto trabalho de convencimento e lavagem cerebral de “sindicalistas profissionais”; as razões estão na própria violência e no enorme calote dado por Beto Richa contra os servidores públicos e na Educação.

HISTÓRICO: QUEM MEXEU NO MEU DINHEIRO QUE ESTAVA AQUI?

Quer ver um pai de família nervoso? Tire seu salário, e o obrigue a ficar devendo até o aluguel?

Os servidores públicos (professores incluso) não receberam parte de seu salário de dezembro (pago em janeiro, em pleno período de férias escolares). Os PSS também não receberam o acerto do tempo trabalhado, pago sempre que seu vínculo expira automaticamente, ao final de dezembro. Professores que atuam em regime de PSS (Processo Seletivo Simplificado) só conseguem novos contratos assim que os Núcleos Regionais de Ensino fazem a distribuição de aulas para professores de carreira (concursados). As aulas que sobram, ficam com os PSS, ordenados em uma lista de espera que segue critérios de classificação (formação complementar, tempo de serviços, títulos, etc). Assim, novos contratos temporários são abertos, com prazo máximo de validade até dezembro e cada ano. Assim, dependendo da posição na lista, é comum que professores só consigam trabalho em maio ou junho de cada ano. E nem sempre consegue aulas suficientes para completar as 40 horas máximas permitidas por lei. É comum ainda que estes professores aceitem aulas “picadas” em diversos colégios, longes um do outro, para completar sua carga horária. Isso gera um custo maior de deslocamento, e um desgaste físico e até psicológico maior. Ao final de cada ano, os professores recebem o “acerto” relativo ao encerramento do contrato (ficando formalmente desempregado, até conseguir novas aulas, no ano letivo seguinte). É deste acerto, desse suado e sofrido dinheirinho, que muitos professores sobrevivem, comem e até pagam aluguel, até conseguirem novas aulas, 4 ou 5 meses depois, já no ano letivo seguinte.

Em janeiro, quando o acerto deveria ter sido depositado pelo Governo o Estado, a grana sumiu. Dissimulado, Beto Richa alegou que o Governo Federal não havia feito o repsse de sua parte correspondente no financiamento da Educação. Logo, a mentira caiu por terra: uma simples consulta ao portal da transparência, do Governo Federal, derrubou essa tese. A grana já havia sido liberada no prazo. Resta saber em qual ralo da administração pública paranaense ela foi parar.

Depois, o governo passou a justificar o não pagamento dos servidores alegando que o Estado estava em crise e, portanto, sem dinheiro. Mentira novamente: as verbas que financiam a Educação, salários e custeio constam no orçamento aprovado pela ALEP no ano anterior ao exercício. Ou seja: em 2013. Essa verba estava lá, mas desapareceu. É provável que, no meio do caminho, foi desviada para cobrir algum rombo do governo em algum setor onde a conta não estava batendo. Ou ainda, desviada para garantir a reeleição de Beto Richa no ano passado. Ou talvez, as duas coisas juntos.

INDIFERENÇA E HUMILHAÇÃO

Do alto do seu bem remunerado cargo, cotejado pela Côrte de súditos fiéis que ocupam gordos cargos comissionados (pagos em dia, claro!), e escondido atrás da milionária máquina de propaganda a serviço da blindagem de seu governo, com uma mãe recebendo uma pensão vitalícia de 32 mil reais (na condição de “viúva” do ex-governador José Richa, pai do atual), o governador Beto Richa não consegue enxergar – ou, se enxerga, não consegue se sensibilizar – com as milhares de histórias e denúncias que tem pipocado pelas redes sociais nos últimos dias, como aquela do professor que, sem dinheiro para pagar o gás de cozinha, se viu obrigado a improvisar um fogão de tijolo e acender uma fogueira para poder alimentar sua família.

A greve não tem fundo político-partidário, mas é resultado da incompetência administrativa e do autoritarismo do próprio governador. Na campanha de reeleição, Beto Richa subiu as colinas, e pregou maravilhas sobre sua administração à frente do Paraná. Consagrado para um segundo mandato, logo, passou a mudar o discurso e falar que o Estado estava em crise. Promoveu o aumento dos impostos estaduais, anunciou cortes, e surrupiou a verba de custeio das escolas e universidades (repito: verbas que já estavam previstas no orçamento do Estado). Já em dezembro de 2014, um pacote de “maldades” ameaçava extinguir direitos trabalhistas historicamente conquistados. Nessa mesma época, anunciou o fechamento de Escolas em áreas rurais e carentes. Prefeitos dos municípios do interior do Estado também reclamam que a verba para o transporte escolar deixou de ser repassada. Para completar, em janeiro deste ano, professores e servidores públicos paranaenses ficaram sem parte dos seus vencimentos, incluindo o 1/3 de férias, e também o acerto, no caso dos PSS (temporários).

Enquanto o governador se esquiva de suas responsabilidades, ataca a greve dos professores, classificando-a de partidária e eleitoreira, omitindo que não foram apenas os professores e profissionais da Educação que tomaram calote, mas também bombeiros, agentes educacionais e penitenciários, policiais militares e diversas outras categorias do serviço público. Na capital, oficinas mecânicas já não querem mais consertar as viaturas policiais estragadas, por falta de pagamento por parte do Governo. Policiais precisam mendigar reparos em oficinas do interior e da região metropolitana. Com o fornecimento de combustível ocorre algo semelhante. O caos é generalizado.

Na Educação, a situação é ainda mais grave: Beto Richa promove um processo agressivo de desmonte e sucateamento da Educação pública paranaense. As universidades e as escolas ainda esperam o pagamento das verbas atrasadas relativo ao custeio (para manutenção e reparo dos prédios). No caso das universidades, o sinal de alerta já havia sido acendido no ano passado: sem pagamento, professores universitários que atuavam como formadores suspenderam o PDE (um programas de qualificação e reciclagem docente – uma espécie de “mestrado” -, destinado a professores da rede pública Estadual que já estão há 15, 20 anos trabalhando). O PDE é exigido como requisito para a progressão na carreira destes professores. Nas escolas, a verba para o custeio (manutenção das escolas, água, luz, consertos e reparos, etc) também não chega desde outubro. As escolas, que conseguiram concluir melancolicamente o ano letivo passado, agora, não sabem se conseguirão reiniciá-lo.

No pacote de medidas enviado à ALEP, entre outras coisas, o Governo cria uma escala para o provimento de servidores. De acordo com a APP, na proposta do Governo, cada escola teria direito a um funcionário (servente) para cada 150 alunos. Num cálculo rápido: uma escola de porte médio, com 1.500 alunos, teria apenas 10 zeladores (cozinheira, incluso) para se revezarem em 3 turnos (manhã, tarde e noite). Como é humanamente impossível para alguém trabalhar em tempo integral (nos três turnos), teríamos uma média de cinco funcionários para cada turno, operano em escalade 8 horas cada. Isso para manutenção, limpeza das salas e banheiros, e merenda. Algo absurdo.

No caso dos professores, a situação também é grave: com o fechamento de escolas e áreas rurais e carentes, já existem denúncias de salas superlotadas, com 50 alunos ou mais. A qualidade do Ensino ofertado também está colocada em risco: para “economizar” funcionários, o Governo ordenou que vários professores, que desempenhavam funções em Secretarias dos Núcleos Regionais de Ensino, retornassem para as salas de aula. Numa lógica empresarial, remanejar trabalhadores e economizar salários pode parecer uma boa solução para a crise. Mas não estamos falando da produção de mercadorias, e sim da formação de seres humanos. Estes professores não estavam nessas secretarias para tomar cafezinho e chimarrão sob o ar-condicionado, e sim para desenvolver importantes discussões, materiais paradidáticos e estratégias de Ensino que auxiliam professores e educadores no trabalho com problemáticas sociais atuais, como questões de cunho étnico-raciais, homofobia, de gênero e portadores de necessidades especiais. Temas que estão candentes no cotidiano escolar, mas que a maioria dos professores não tem tempo (ou formação) para desenvolver e trabalhar.

PROFESSORES DESCONTENTES COM A PROFISSÃO? NÃO. O PROBLEMA É O GOVERNADOR MESMO…

Me chateia pensar a falta de compreensão de alguns alunos, pais de alunos e membros da sociedade civil, que, indiferentes à situação de penúria que nosso governador deixou a Educação, preferem colocar a culpa naqueles que, afinal, são as maiores vítimas. Tentar deslegitimar as justas reivindicações do movimento grevista é, no mínimo, insensatez, para não dizer ignorância pura e simples. Temos ouvido pessoas comuns, alunos e políticos aliados ao governo tentando jogar a sociedade contra o movimento grevista, alegando que professor ganha demais, que tem direitos demais, e que quem não está contente com a profissão, que mude de ramo, e etc.

No facebook, um abastado empresário, proprietário de um bar de classe média na cidade de Guarapuava, vociferava contra o movimento grevista dizendo algo como: “Se você (professor) está descontente, então mude de profissão. Ninguém te obriga a dar aula!”. Fico imaginando a seguinte cena: o sujeito vai a este bar, consome à vontade, e depois, sai sem pagar. O dono, é claro, não aceitaria essa situação, essa tentativa de calote. Seguindo a lógica do dono deste bar de Guarapuava, bastaria o cliente caloteiro dizer que o Estado está em crise, e tudo estará resolvido. Caso o dono do bar continuasse a chiar, restaria dizer: “Tá reclamando do que, xará? Ninguém foi lá na sua casa e te obrigou a abrir o bar. Por que você não escolhe outra profissão?”

Veja: ninguém está reclamando ou fazendo greve por estar descontente com a profissão escolhida (professor). O problema é trabalhar, ser merecedor do seu salário, acertar (e aceitar) as condições e responsabilidades previamente estabelecidas para o cargo, e depois, não apenas não receber seu dinheiro por direito, mas ainda ver seu empregador mudar as regras do jogo para lhe tirar benefícios previamente acertados.

Os professores e profissionais da Educação do Paraná não estão pedindo a paz na Palestina, nem a cura do câncer. Estão apenas pedindo para que o governador crie vergonha na cara, e cumpra aquilo que seu cargo prevê constitucionalmente, pagando salários dos trabalhadores em dia, e dando um pouco mais de dignidade e segurança profissional para estes trabalhadores que, cotidianamente, já precisam conviver e enfrentar a enorme violência social, as ameaças de alunos e pais, a insegurança do ambiente escolar, a precariedade estrutural de escolas caindo aos pedaços, o assédio moral e a pressão política de diretores e administradores políticos, entre outros males.

Beto Richa é o símbolo da incompetência em se tratando de gestão pública. O problema é que, como sempre, a corda sempre estoura do lado mais fraco.

_____

*Emílio Gonzalez é historiador e professor da UTFPR de Campo Mourão. Também é colunista do jornal Correio do Cidadão. Escreve todas as quintas-feiras para o Blog do Raoni.

**Artigo publicado no jornal Correio do Cidadão, de Campo Mourão, na edição do dia 10/-02/2015. Texto revisto e ampliado.

1 Comentário

1 Comentário

  1. JOÃO ROSA SOUZA

    14 de fevereiro de 2015 às 6:30

    SE O GOVERNADOR ESTÁ FAZENDO AJUSTE PARA ADMINISTRAR O ESTADO, E COMO SEMPRE ESTÁ PREJUDICANDO A CLASSE PRODUTIVA, (PROFESSORES).
    O QUÊ ELE ESTÁ FAZENDO PARA DIMINUIR OS GASTOS PÚBLICOS?
    PORQUE NÃO ABOLIR ALGUMAS SECRETARIAS DESNECESSÁRIAS, E DIMINUIR O Nº DE DEPUTADOS, E O MAIS GRAVE NÃO ACABAR COM O CABIDE DE EMPREGOS COMO CARGOS COMISSIONADOS, NA VERDADE O ESTADO COMO O PAÍS ESTÁ A DERIVA!!!

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