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Coluna do Emílio Gonzalez: Politicamente incorreto ou politicamente conservador?

Gentili

Por Emílio Gonzalez

O apresentador Danilo Gentili, do SBT, se acha o “pica das galáxias” e a verve mais revolucionária da TV brasileira. Na verdade, não passa de uma versão humorada daquilo que há de mais retrógrado no pensamento conservador brasileiro. Uma espécie de “bobo da Côrte” a serviço da Casa Grande senhorial.

Um bufão a ridicularizar e deslegitimar os poucos (mas fundamentais) avanços progressistas realizados há muito custo, e conquistados com muito suor e sangue através das difíceis e lentas lutas democráticas brasileiras.

Gentili diz criticar o poder, quando, na verdade, é apenas mais um elo de sua engrenagem.

Isso porque o poder não é o PT e nem a Dilma. Basta ler um pouco da História do Brasil para vermos quem realmente sempre deu as cartas neste País; e inclusive, os mesmos a serviço dos quais o PT se colocou, desde que chegou ao governo. Gentili confunde intencionalmente seu público. Critica o governo, mas jamais critica o poder.

Gentili faz parte da geração que partilha de um gênero humorístico auto-intitulado “politicamente incorreto”. Supostamente destemido e revolucionário, os “politicamente incorretos” nada mais tem feito do que reafirmarem o tempo todo a pauta conservadora senhorial, católica e patriarcal,que há 500 anos sustenta o poder exercido por uma elite branca e oligárquica, contra indígenas, negros, mulheres, gays e outras minorias neste país de mentalidade colonial.

Exemplos infelizes não faltam. Tempos atrás, por exemplo, Gentili ridicularizou uma famosa doadora de leite materno, comparando a doadora (e seu leite materno) com um conhecido personagem do circuito pornô brasileiro e seu esperma.

Gentili jamais se desculpou pela “brincadeira”.

Em outra ocasião, Gentili também se envolveu em uma polêmica com um militante do movimento negro. O rapaz havia reclamado das insistentes brincadeiras e comparações que Gentili faz com Juliana de Oliveira, sua assistente de palco. Juliana é mulher, e negra. Nas “brincadeiras” entre Gentili e Juliana, sobram menções diretas à escravidão negra e ao patriarcalismo (primazia do poder masculino sobre o feminino, traço evidente de nossa colonização). Ali, Gentili, branco, reafirma o tempo todo o papel de servidão ao qual os negros foram forçados a desempenhar.

Assim como o nazismo é para os alemães, e o holocausto é para os judeus, a escravidão negra deveria ser tratada como uma ferida vergonhosa da História do Brasil, e jamais como “piada” que banalizasua violência. Isso porque há décadas, o movimento negro tenta construir uma memória que, pelo menos, avalie criticamente e envergonhe os brasileiros do crime cometidos por 400 anos ininterruptos contra a população afro-descendente, e que ainda hoje deixou marcas profundas. Fazer piadas reafirmando a submissão negra não ajuda muito neste sentido. Nos EUA, por exemplo, piadas deste tipo poderiam causar a demissão de Danilo Gentili. Aqui no Brasil, ele ainda se fez de vítima, e mais: ofereceu bananas ao militante negro que reclamou de suas brincadeiras racistas. Tudo em nome da “liberdade de expressão”.

Além de mulheres e negros, Danilo Gentilitambém já atacou e banalizou a violência física e assassinatos que atingem a comunidade LGBT, dizendo que, no Brasil, morriam mais héteros do que gays. Ocorre que ninguém morre, é estuprado, espancado ou demitido por ser hétero. Gentili faz uma leitura superficial e primária dos números sobre violência; simplesmente mostra desconhecer todo o debate acumulado pela comunidade LGBT; e mesmo assim, é venerado como o cara mais “inteligente” do pedaço por seus fãs e uma legião de seguidores nas redes sociais.

Desinformado ou burro com certeza ele não é. Numa frase atribuída a Karl Kraus, “o segredo do demagogo é parecer tão estúpido quanto a sua plateia, para que esta imagine tão esperta quanto ele”.Gentili não é burro; apenas faz piadas idiotas e superficiais que parecem sagazes, de modo que sua legião de fãs – que, em sua maioria, também não gosta de ler ou debater nenhum assunto com profundidade – acabe por também se achar os “Pica das Galáxias”. Sem dúvidas, eles se merecem.

Danilo Gentili jamais se desculpou com os negros, gays e mulheres que ofendeu.

Politicamente incorreto? Nada disso. Apenas mais um que coloca sua genialidade a serviço do poder, rindo e ridicularizando pobres, gays, negros e outras minorias, mas que cede facilmente à pressão de grupos endinheirados e conservadores.

Em 2011, seu então colega Rafinha Bastos foi afastado do programa C.Q.C. após fazer uma piada (de extremo mau gosto, diga-se de passagem!) contra a cantora Wanessa Camargo. Wanessa Camargo é casada com um empresário cuja marca financiao programa C.Q.C. Após a piada de Rafinha, pressionado por seu patrocinador, Rafinha foi demitido do programa e da Band. Gentili ficou lá, e nada disse em defesa do colega, “aceitando” tacitamente a interferência do poder financeiro na definição da pauta sobre aqueles aos quais se poderia rir e ridicularizar, e aqueles sobre as quais nada se falaria.

Na mesma época, Gentilifez uma piada de extremo mau gosto contra a comunidade judaica de um bairro rico de São Paulo (Higienópolis). Na ocasião, o governo paulista estudava a extensão de uma linha de metrô que deveria passar pelo bairro. Com o metrô, pobres e trabalhadores passariam a circular com frequência por Higienópolis Os ricaços do pedaço reclamaram, e o projeto foi interrompido. Na época, Gentili disse que os judeus tinham medo de trens, pois os últimos que viram os levaram a campos de concentração. A comunidade judaica endinheirada reclamou, e Gentiliacabou se desculpando.

O humor “politicamente incorreto” de Gentilisó está em altaporque não oferece perigo algum ao poder. Fosse tão politicamente incorreto e transgressor assim (como ele pretende ser), personalidades declaradamente representantes do pensamento conservador como Raquel Sheherazade e o pastor Marco Feliciano jamais se declarariam fãs dele.

Gentilli está em alta porque suas piadas cumprem direitinho o papel de preservar a manutenção do pensamento conservadorde nossas elites, que implica em banalizar os clamores que denunciam a violência e a desigualdade sofrida pelas minorias étnicas e de gênero, e ridicularizar quem tenta se levantar contra elas.

Cumprindo direitinho seu papel, Gentillitem sido aclamado e recebido aos brados em protestos como os de 15 de março passado. Mero porta-voz do pensamento conservador brasileiro, seus fãs preferem vê-lo como um transgressor “fodástico”.

***

POLITICAMENTE INCORRETOS – Logo que surgiu no Brasil, em março de 2008, o humorístico C.Q.C. (uma versão brasileira de um programa de sátiras políticas e sociais que já fazia sucesso em vários países do mundo) tornou-se um fenômeno de audiência. Me recordo de vários colegas, das mais variadas matizes intelectuais e políticas, o aclamando como um programa verdadeiramente alternativo e crítico. Com seu estilo próprio e ácidoque o consagrou em outros países, tinha-se a impressão de que, finalmente, havia se conseguido unir a fina ironia à crítica política, em boa parte graças ao humor e sagacidade de seus repórteres que, diante da menor possibilidade, conseguiam improvisar falas e elaborar perguntas espinhosas que acabavam por ridicularizar políticos corruptos.

Nem todos associaram uma coisa a outra, mas o sucesso midiático do C.Q.C. também se deveu ao reflexo da difusão no Brasil de um gênero de humor que teve origem nos EUA. Trata-se do Stand-Up, onde o humorista, munido apenas de um microfone, improvisa piadas (aparentemente) sem um roteiro pré-definido, nas quais satirizaa tudo e a todos. Não por acaso, antes de postularem na tela do C.Q.C., nomes como Rafinha Bastos, Danilo Gentili e Marco Luque já eram conhecidos em palcos de bares e casas de shows do gênero no Brasil.

À exemplo do que ocorreu nos EUA, os adeptos do gênero Stand-Up logo acabaram se auto-proclamando“politicamente incorretos”. Na esteira das críticas ácidas e sem limites (inclusive éticos)de seus humoristas, o termo “politicamente incorreto”se tornaria (erroneamente, ao meu ver) sinônimo de “coragem” e “transgressão”. Ao que parecia, os humoristas adeptos dessa linha pareciam não temer a nada e nem a ninguém.Logo, tornariam-se ídolos da nova geração de jovens que, mesmo sem ler uma única linha de qualquer jornal ou blog de análise política, livros de História ou qualquer coisa do gênero, enchiam a boca para decretar a falência das estruturas tradicionais de informação e opinião. Com efeito, o Stand-Up (e, consequentemente, também o C.Q.C.) passaram a canalizar a rebeldia destrutiva da nova geração de adolescentes e pós-adolescentes. Numa palavra, tornou-se o farol “revolucionário” de uma geração que se tornou incapaz de pensar no bem coletivo e nas lutas sociais como forma de se alcançar a igualdade e a felicidade comum; pensam apenas em afagar os seus próprios desejos individuais e egoístas de consumo, prazer e satisfação pessoal.“E daí que a Zara usa trabalho escravo nas tecelagens de São Paulo?”“E daí que meu smartphone venha de trabalho escravo de mulheres e crianças nos países orientais?”O problema, para eles, é só um: o PT há 12 anos no poder, e os nordestinos que recebem bolsa-familia.

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