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Política

Coluna do Emílio Gonzalez: Tecnologia, morte e destruição, essa estranha dialética…

ataque HiroshimaHá exatos 70 anos, no dia 6 de agosto de 1945, explodia a primeira das duas bombas atômicas que mudariam o curso da História no século XX.

Primeiro, Hiroshima, onde, estima-se, cerca de 150 mil pessoas perderam a vida. 3 dias depois, em 9 de agosto, foi a vez de Nagasaki, onde mais 60 mil pessoas acabariam mortas por queimaduras e radiação.

Como todos os vilões e mocinhos da Segunda Guerra Mundial, a história do covarde e desnecessário ataque atômico sobre a população civil de Hiroshima e Nagasaki sempre foi contada ao sabor dos vencedores. Neste caso, Estados Unidos. Em sua versão, a bomba foi o argumento definitivo – e, dizem, necessário – para acabar com a guerra e com toda a matança que ela já havia produzido. Não a toa, bastou o bombardeio de Hiroshima para que o Japão viesse correndo para assinar a rendição.

Mas na prática, a verdade é que os EUA aproveitaram o apagar das luzes de uma guerra que já estava decidida, para fazer um “laboratório” com a população civil de Hiroshima e Nagasaki – e não seria o único no século XX. De quebra, além de testar a eficácia e o poder de seu novo “brinquedo bélico”, o impacto da bomba deveria servir de desincentivo à escalada hegemônica da União Soviética sobre a Europa e Ásia.

Aconteceu exatamente o contrário. Temendo ser atacada, URSS correu contra o tempo e desenvolveu sua própria bomba atômica em 1951 – de qualidade inferior, mas igualmente mortal e destrutiva.

Os experimentos militares de larga escala agora estavam sitiados no próprio continente europeu. Os aliados dos EUA no velho continente logo trataram de formar uma aliança de cooperação militar (OTAN), de modo que um ataque a qualquer país do bloco (leia-se: qualquer tentativa da URSS de expandir seus domínios sobre uma Europa arrasada) teria uma resposta militar conjunta e incisiva. Como resposta, a URSS fechou suas fronteiras e criou seu próprio bloco, conhecido como “Pacto de Varsóvia”, que incluía os domínios tomados da Alemanha nazista, as repúblicas satélites da Russia, além das frágeis, empobrecidas e sempre desprezadas repúblicas do leste europeu. A guerra fria repousa no sempre esperado, mas jamais efetivado, confronto entre os dois blocos.

Na musica “A canção do Senhor da Guerra”, da banda Legião Urbana, Renato Russo cravou o seguinte: “Numa guerra sempre avança a tecnologia / mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria / pra que exportar comida, se as armas dão mais lucros na exportação? (…) Que belíssimas cenas de destruição. Não teremos mais problemas com a superpopulação”.

Não posso assegurar que Renato Russo tenha lido o clássico livro do historiador Eric Hobsbawn, “Era dos Extremos” (1994), mas o argumento de que, no século XX, ironicamente “guerra” foi um fator de avanço tecnológico, é incrivelmente parecido em ambos.

Não, nem Hobsbawn, nem Renato Russo defendiam a guerra como um mal necessário para o avanço tecnológico. A ideia era justamente o contrário: relativizar a euforia com o incrível avanço tecnológico vivido em praticamente todas as áreas da vida humana neste curto espaço de tempo que vai de 1914 (inicio da 1° guerra mundial) até a Guerra Fria, e suas consequências no mundo atual.

Hobsbawn lembra, por exemplo, que as grandes descobertas e testes científicos que permitiram avanços tecnológicos incríveis, de vacinas a roupas, automóveis, aviação, comida enlatada e (inclusive) os avanços no campo da Química e da Física (como a energia nuclear), foram realizados com intuito militar, e testados in loco, em campos de batalha. Na primeira guerra mundial (1914-18), por exemplo, cientistas judeus que serviam à Alemanha, tiveram a grande ideia de utilizar armas químicas, invisíveis mas profundamente letais em campo de batalha. Depois, ironicamente, os mesmos gases químicos foram usados por Hitler para promover o extermínio em massa da comunidade judaica nos campos de concentração nazistas, durante a 2° Guerra Mundial. É o preço da tecnologia.

(Apesar de reconhecer a brutalidade e desproporcionalidade da bomba atômica contra alvos civis, os EUA continuaram testando seus brinquedos e novidades tecnológicas utilizando como “cobaia” populações civis. Exemplos disso são os ataques com Napalm no Vietnã, as chamadas “bombas inteligentes” e os alvos teleguiados por satélite, testados à exaustão no Iraque e Afeganistão; e, mais recentemente, os drones. A tecnologia avança na mesma proporção da capacidade humana em destruir)

Na 1° Guerra Mundial, os recém inventados aviões ainda eram rústicos, e mal podiam transportar o peso de seu piloto e uma pistola. Por isso, eram utilizados quase que exclusivamente para atividades de espionagem das posições inimigas e para panfletagem. Na 2° Guerra Mundial, porém, eles já faziam deslocamentos de tropas e carregavam toneladas de alimentos e bombas – inclusive, as bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki. Hoje, “graças à guerra”, um único avião consegue transportar mais de 300 pessoas, além de malas e outros equipamentos.

Mal necessário?

Tempos atrás, a Revista Super Interessante publicou uma matéria sobre um amplo debate que hoje se situa no campo da ética dos profissionais de medicina. Durante a 2° Guerra Mundial, Hitler pretendia desenvolver uma espécie de “super soldado”, capaz de suportar todas as dores, temperaturas e provações do campo de batalha. Após a guerra, os aliados encontraram nos campos de concentração nazistas inúmeros e aterrorizantes registros sobre testes feitos com seres humanos vivos (geralmente, prisioneiros capturados em campos de batalha, além de judeus, deficientes físicos, etc). Médicos nazistas abriam (sem anestesia) fendas no corpo destes prisioneiros e aplicavam cacos de vidro, lama, pólvora, ferro enferrujado e outros resíduos típicos de campos de batalha. Em seguida, observavam e anotavam atentamente as reações que o corpo produzia. Em outras situações, seringas eram utilizadas para aplicar tinta e ácidos nos olhos e em outras partes do corpo, para ver o que acontecia. Relatos também dão conta de que prisioneiros eram congelados e, quando estavam por morrer de hipotermia, eram rapidamente descongelados, sempre com a zelosa preocupação de manterem ele vivo. Afinal, cobaias só interessam quando resistem ao teste. Estes prisioneiros também eram fervidos, sempre com o mesmo intuito: testar a capacidade humana sob baixíssimas ou altíssimas temperaturas.

Hoje, admite-se que os resultados colhidos nestes testes poderiam abreviar em muito o caminho que a medicina ainda precisará percorrer para obter resultados semelhantes. A questão é se seria ético ou não utilizar resultados de pesquisas feitas sob tais condições.

Para quem não sabe, uma das marcas do nazismo foi justamente o preciosismo tecnológico, a preocupação com o avanço tecnológico a qualquer custo, em detrimento aos direitos humanos. O que a Alemanha de Hitler implantou foi apenas uma lógica industrial levada ao extremo, onde o ser-humano era apenas um detalhe completamente desnecessário. Quando se decidiu pelo extermínio em massa de seus prisioneiros, os campos de concentração nazistas já contavam com uma estrutura capaz de matar em escala industrial, e com uma precisão incrível. Os campos de concentração estavam projetados para abrigar um numero X de prisioneiros, onde fornos poderiam incinerar um numero Y de corpos. Vivia-se uma época de carestia, causada pela guerra. Não se podia desperdiçar nada. Nem bala de pistola. Os engenheiros nazistas sabiam que tantos litros de gás eram necessários para matar um numero X de pessoas. Tudo era projetado e calculado milimetricamente, e deveria funcionar de forma incrivelmente cartesiana. Afinal, não se consegue matar e desaparecer com 5 ou 6 milhões de pessoas da noite para o dia, sem que haja um amplo planejamento, uma aplicação racional de recursos disponíveis, e uma capacidade de se produzir morte em escala industrial.

Hoje, é impossível não lembrarmos da “máquina tecnológica nazista” quando escutamos os EUA vendendo a ideia de que seus ataques no Oriente Médio são precisos, suas bombas são inteligentes, seus drones jamais falham e que tudo está milimetricamente calculado para que apenas objetivos militares sejam alcançados nos campos da Siria, Iraque, Afeganistão ou seja lá onde quer que eles tenham procurado guerras para testar novas armas tecnológicas contra a população civil, desarmada e desprotegida.

Aliás, é impossível não lembrarmos também de Hiroshima e Nagasaki.

2 Comentários

2 Comments

  1. Maria Alice Gonzalez

    10 de agosto de 2015 às 8:48

    Dias atrás fiquei de cabelo em pé por uns vídeos que mostravam a ação dos “soldados” americanos à caça de supostos terroristas em território afegão. Era uma sala com uns telões onde um operador manejava controles como os de um vídeogame em terra, no qual os alvos que estava sendo observado e filmado pelos drones – invisiveis a olho nú, eram atingidos por mísseis “inteligentes”. Naquela noite não consegui dormir, e nas duas subsequentes demorei a pegar no sono ao lembrar da alegria estampada no rosto jovem do jogador quando acertava seus alvos, e que eram pessoas – vítimas de carne e osso. Pensava nas ações contra os palestinos – talvez usem esse tipo de arma contra pessoas que se defendem apenas com pedras, paus e as vezes alguma enxada ou pá. Deus se apiede de nós.

  2. Mãe de aluno

    13 de agosto de 2015 às 0:42

    Caro professor Emílio Gonzalez, sua coluna nos alerta para nossa ignorância quando inconscientemente validamos atos de selvageria praticados por alguns déspotas que em sua insanidade pratica através de outros suas mais bestiais ações. Sim, pois todas essas ações desumanas que nos chocão foram e são praticadas por pessoas humanas que perdem a razão e acabam “obedecendo” ordens de pessoas que vivem surtos de extrema loucura. Analise, Hitler provavelmente não cometeu as ações que nos horrorizam, mas e os soldados, médicos, enfermeiros, cientistas que o fizeram, onde estava a racionalidade dessas pessoas? Os cientistas que desenvolveram a tecnologia e consequentemente a bomba atômica e os pilotos que a jogaram? O ser humano demorará muito, se é que vai conseguir transcender essa condição de irracionalidade, e realmente evoluir, pois como diz Noam Chomsky, o ser humano é um animal que evoluiu tecnologicamente, apenas isso. Então pergunto novamente. Será que um dia a raça humana se tornará realmente humana?
    Professor Emílio Gonzales, obrigada pelos excelentes artigos que você nos presenteia.

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