(Texto originalmente publicado na coluna semanal no Jornal Correio do Cidadão em 01/04/2015 – convido todos a lerem no jornal, todas as quartas-feiras!!!!)
Guy Debord escreveu seu mais importante trabalho – “La SociétéduSpectacle” – na França em um momento de efervecência que antecedia os movimentos que marcaram o ano de 1968 e o mote central de seu trabalho é a espetacularização dos eventos sociais em especial na produção e na veiculação midiática. A mistura entre emoções e “notícia” está presente nos telejornais diariamente. Segundo Debord: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação” (DEBORD, 1997, p. 13). Neste sentido, a novela, o reality show e o jornal não se distinguem, mesmo enquanto conteúdo, já que, às vistas da “produção” tem os mesmos objetivos: chamar a atenção da população (audiência) e manipular a opinião pública.
Na visão do autor, a mídia produz “espetáculos completos”, ou seja, ao espectador (o povo) não cabe contestação ou, sequer, reflexão sobre a notícia-espetáculo. O homem-espectador é induzido a concordar com tudo, pois, tudo parece ser binário: ou é bom ou é ruim. A mídia que espetaculariza a vida é uma produtora de verdades e não repassadora de fatos.
O Oráculo moderno?
A mídia, em especial a eletrônica, como as redes de TVs e as rádios, além de algumas revistas semanais, tornou-se para parte da população – a parte que se deixa dominar por estas mensagens – a única fonte de informação. Assim, esse tipo de mídia, torna-se uma espécie de divindade, que sabe tudo e que julga tudo. É o Oráculo moderno para alguns que só acreditam no que “Saiu na Veja” ou duvidam daquilo que “Não passou no Jornal Nacional”. A espetacularização da notícia cria “verdades” e, ao mesmo tempo, como seria de se esperar, também cria seus ídolos, mesmo que de qualidade duvidosa como as “Sheherazades”, os “Jabores” e os “Olavos”. Pergunto: Quem são estas pessoas para determinar a “verdade” sobre os fatos?
Filosoficamente não é possível apreender a “verdade” em sua totalidade. A “verdade” tem níveis e nuances que não são nos dados a conhecer, em especial quando envolve o espetáculo criado pela grande mídia, já que a notícia é produzida em um ambiente de mercado e, portanto, está aberta a influências e interesses.
Para concluir esta seção, explico a analogia entre a grande mídia e os Oráculos da antiguidade. Os Oráculos eram divindades, “deuses”, que tinham as respostas para todas as perguntas e, as pessoas, os procuravam, em especial para saber sobre fatos que ocorreriam no futuro. O mais citado Oráculo da antiguidade é o de Delphos, na Grécia e, consta que em sua entrada encontrava-se a inscrição: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o Universo”.
Seja na antiguidade, no Oráculo de Delphos, ou atualmente, no Jornal Nacional ou na revista Veja, as pessoas buscam uma “verdade” para guiar suas decisões. A distinção é que no Oráculo original, a inscrição convida o homem a conhecer suas próprias verdades, buscar as respostas em si mesmo, refletir sobre sua vida, sua condição e suas capacidades, enquanto no Oráculo da mídia, as verdades vêm prontas e embaladas para consumo imediato, desencorajando qualquer reflexão.
O Oráculo de Delphosmostra as possibilidades e deixa a decisão para o sujeito que o procura. O Oráculo-espetáculo da Rede Globo dá sentenças e o comanda a tomar uma atitude a partir de notícias incompletas, parciais e, muitas vezes, distorções dos fatos.
A manipulação dos fatos como padrão
A mídia nacional é pródiga em casos de manipulação dos fatos e, talvez devido à sua subserviência ao governo militar no período 1964-84, tenha aprendido com estes as técnicas de distorção e manipulação das notícias. Se, há algumas décadas a manipulação aconteceu com os dados da manifestação das “Diretas Já”, há algumas semanas vimos outro embate de números – Seriam 210 mil ou um milhão os manifestantes do dia 15 de março na Avenida Paulista? – e a greve dos professores, tanto do Paraná como de São Paulo, solenemente ignoradas nos noticiários nacionais.
(Nota: somente depois de muita pressão a greve dos professores no Paraná começou a aparecer nos noticiários e, em São Paulo que já dura mais de duas semanas, apesar da greve ter levado milhares às ruas, continua escondida quando considerado o contexto nacional.)
O espetáculo planejado em que se transformou o “jornalismo midiático” favorece esse tipo de manipulação, mas, principalmente, porque conta com a conivência de sua audiência. Assim é possível para os grandes veículos de comunicaçãoressaltarem os “mensalões” e “petrolões” enquanto escondem os “cartéis dos trens/metrô” e as “privatarias” enquanto sua audiência pseudo-intelectualizada partirá para o ataque bradando que “conhece os fatos”.
(Nota II: A situação ideal seria que a grande mídia apresentasse igualmente todos os escândalos e que, através destas notícias, todos os envolvidos fossem julgados.)
Conclusão: “Conhece-te a ti mesmo” ou “A ‘verdade’ é o resultado da sua reflexão!”
Quer tornar-se um cidadão realmente bem informado, esclarecido e pronto para um debate profundo sobre a sociedade e sobre o atual estado das coisas? Busque várias fontes de informação!!!! Questione-se se a informação que chega para você está sendo produzida segundo interesses de grupos e, se forem, confronte com outras fontes.
A “verdade” deve vir da sua reflexão pessoal e não da simples aceitação do que o telejornal ou a revista declarou. Com a internet, as fontes se multiplicam e, fica muito fácil buscar outros pontos de vista. Seja qual for a sua tendência ideológica, busque informações consistentes para que suas opiniões sejam realmente suas e não “guiadas” por quem controla a mídia.
(Nota III: é possível a um jornal do interior do Paraná manter-se relativamente imparcial? Acredito que sim!!!! A publicação desta coluna prova isso…)