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Coluna do Emílio Gonzalez

Coluna do Emílio Gonzalez: Um Cristão em crise

Vereadores retiraram da pauta o projeto de lei do Plano Municipal de Educação

Vereadores retiraram da pauta o projeto de lei do Plano Municipal de Educação

Na segunda-feira passada (25/05), um grupo de cidadãos mourãoenses “do bem” se mobilizou para atender apelos de alguns líderes religiosos, e foram à Câmara Municipal de Vereadores pressionar os políticos da cidade. Preocupados com a dissolução da família tradicional cristã, eles pediram – e conseguiram – retirar da pauta de votação o Plano Municipal de Educação. Um documento construído coletivamente em fóruns abertos, onde participaram democraticamente pessoas de todos os segmentos sociais: professores, diretores de escola, pais de alunos, entidades civis e religiosas, representantes políticos, juristas, alunos… A revolta dessa turma estava focada em um ponto específico: acompanhando uma tendência nacional (também presente nos países mais desenvolvidos e progressistas), o documento apresentava, de forma clara e direta, artigos visando a realização de ações que promovam o debate sobre a diversidade sexual e de gênero nas escolas. É a tal cidadania LGBT, que hoje vem tirando o sono de padres e pastores – como as teorias sobre a esfericidade da terra já tiraram o sono de religiosos e “pessoas de bem”, até 1492. E não adiantou a secretária de Educação do Município, Karla Tureck, explicar e descrever todas etapas percorridas e as diferentes esferas onde o documento foi construído e produzido; esferas que contaram, inclusive, com a participação destas mesmas pessoas e religiosos que foram à Câmara pressionar por sua retirada de pauta. Perdedores no debate público, eles agora esperam poder contar com a pressão direta sobre o Legislativo Municipal para derrubar as cláusulas que, dizem, contrariam seus princípios cristãos.

Para estes paladinos da moral cristã e da família brasileira, dedico o texto que segue.

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Não é de hoje que eu desconfio desse Papa, o tal Francisco. Para mim, ele é comunista. Sim, a amizade dele com os barbudos de Havana, bem como seus apelos em favor do acolhimento das pessoas LGBTs por parte da Igreja não deixam dúvidas. Bom mesmo eram aqueles religiosos da linha dura do Vaticano. Não se fazem mais Papas como João Paulo II e Bento XVI. Por sorte, temos Bolsonaros e Malafaias a nos amparar. Me recordo de Joseph Hatzinger (como era o verdadeiro nome de Bento XVI) em suma homilia proferida quando da visita à Igreja da Sagrada Família (Barcelona, Espanha) em 2010. Ali, criticou a união homossexual, o aborto, e reforçou a defesa dos verdadeiros valores cristãos da família. Desde 2005, a união homossexual é permitida na Espanha, aprovada durante o governo do socialista José Luiz Zapatero. Esbanjando puro amor cristão, o santo Padre Hatzinger proferiu:

“A Igreja se opõe a todas as formas de negação da vida humana e apoia quando se promove a ordem natural no âmbito da instituição familiar (…) O amor indissolúvel de um homem e uma mulher é o marco eficaz e o fundamento da vida humana em sua gestação, em seu parto, em seu crescimento e em seu término natural”

Bonitas palavras. E duras. Tudo o que contraria a família tradicional (homem & mulher) vai contra a natureza criada por Deus. Simples assim.

Confesso que a cada dia que passa, eu também me esforço para ser um bom cristão. Mas palavras como as de Bento XVI tem me levado a uma profunda crise de consciência: estarei realmente seguindo os mandamentos sagrados, e me espelhando nos exemplos dos grandes homens da Bíblia?

Vejamos: em primeiro lugar, quero dizer que estou totalmente de acordo com as palavras de Hatzinger e daqueles que se opõem a união homossexual. Os gays subvertem a ordem “natural” das coisas. Pior ainda, o casamento foi uma dádiva: nela, o princípio irrefutável é de que de que o casamento tradicional cristão – heterossexual e monogâmico – foi um prêmio dado ao homem. Assim, não devemos relativizar a instituição do casamento, adaptando-o ao sabor dos tempos. Ele não deve ser encarado como uma instituição temporal e mutável, como se fosse um mero rito (costume) de época, sujeito as transformações históricas e culturais que cada sociedade vive. De modo inverso, e por eliminação, também devemos entender que a aparição pública dos indivíduos LGBTs é sinal claro dos tempos, onde predomina a obra demoníaca, e não um fator de evolução e progresso cultural e mental. Os gays inviabilizam o ciclo natural da vida (a reprodução), e (sempre pensados e tratados única e exclusivamente pela pulsão sexual), dizem, estimulam a pedofilia. Falar sobre cidadania LGBT e explicar sobre os gays para crianças? Ainda mais na escola… Que tipo de mente pervertida pensaria nisso? Pois é. Os papais e mamães, padres, pastores e políticos mourãoenses que fizeram lobby contra o Plano Municipal de Educação, estão de parabéns: nos salvaram mais uma vez da perdição demoníaca.

Como eles, eu defendo o ciclo natural da vida, e o comportamento homossexual não é natural. Até aí, tudo bem. Mas as palavras que me inspiram, também me confundem um pouco. Confesso que fiquei um pouco “saidinho” com essa conversa de natureza humana, e isso, acreditem, começou a trazer problemas em meu casamento (monogâmico e heterossexual). Minha esposa também é católica, apostólica e romana, mas entendemos e interpretamos essa questão da “natureza” de formas bem diferentes. Eu, por exemplo, entendi que preservar o curso “natural” do sistema fisiológico e biológico do homem significa defender a poligamia. Sim, a poligamia foi cientificamente comprovada como sendo parte da natureza humana – especialmente masculina -, e inclusive é praticada em várias partes do mundo até os dias atuais. Se devemos manter a ordem “natural” das coisas, por que a poligamia foi proibida? E, pior, com apoio da própria igreja – que policia e pune constantemente seus fiéis, para combatê-la?

Acreditem: no fundo, sou um cristão conservador. Aprendi a me espelhar no exemplo de vida dos grandes homens da Bíblia, sempre abençoados por Javé como recompensa por sua fidelidade e retidão. Lembram-se de Abraão, Jacó, Davi e Salomão? Examinando as sagradas escrituras, soube que estes homens, fiéis a Deus, em algum momento, foram partícipes de relações poligâmicas. E nem por isso foram ofuscados em sua santa postura. Ao contrário: na antiguidade, a poligamia não apenas era permitida (inclusive entre os hebreus), como também era demonstração de status e poder, um recurso muito usado por reis, guerreiros prestigiados e homens abençoados por Jeová. Salomão, por exemplo, um dos mais abençoados e decantados homens da Bíblia, teve centenas de esposas, e outras centenas de concubinas. Daí que eu não entendo: por que a poligamia, hoje, é incompatível com o “casamento tradicional”, se num dado momento da história, a poligamia foi a própria forma de casamento tradicional?

O “casamento monogâmico” com instituição dominante foi uma invenção ocidental da sociedade burguesa no decorrer dos séculos XVII e XVIII. O objetivo era usar a célula familiar como elemento básico para impor a disciplina e os valores do nascente capitalismo. Preso à estrutura familiar monogâmica, os homens passariam a praticar valores como poupança, preocupar-se com a economia e com a acumulação de bens, herança e propriedade, além de trabalhar duro para a provisão do grupo familiar. Desde então, “família” e “individualismo” se fundiram como conceitos indissociáveis: “Primeiro a MINHA família… depois, os outros”, o que levou ao poeta inglês William Blake descrever, ainda no século XVIII, o “Amor Familial” como a mais pura expressão do egoísmo…

Homossexualidade e heterossexualidade também sempre foram assuntos tratados pela Igreja ao sabor das circunstâncias e conveniências econômicas de cada época. Na Idade Média, por exemplo, onde reinava a subordinação absoluta da mulher, houve uma satanização absurda do corpo feminino. Quando padres eram flagrados em relações homossexuais, no máximo, acabavam punidos com o pagamento de penitências e/ou afastamento temporário das funções eclesiais. Já as relações heterossexuais (quando um padre se envolvia com uma mulher) poderia levar ambos à morte na fogueira, por bruxaria. É claro que aqui também pesava o determinismo econômico, assunto que sempre preocupou a Igreja: a prática da homossexualidade era “menos grave” porque se tratava apenas de uma “vontade carnal”, e não geraria, por exemplo, uma gravidez – e, consequentemente, uma “família” para o padre (ou a Igreja) sustentar. Até hoje, existe esse contraste. Podemos dizer que há, por parte da Igreja, uma relativa “aceitação” da homossexualidade entre o clero – explicada como resultante da tentação demoníaca e do longo confinamento nos monastérios. Pergunto: o que escandalizaria mais a comunidade católica: descobrir que o padre da Paróquia se envolveu com os coroinhas e noviços da Igreja? Ou descobrir que ele teve uma relação heterossexual, gerando filhos? Ou, dito de outra forma: em qual destas duas hipóteses o padre seria banido para sempre das suas funções eclesiais?

Finalmente, resta uma dúvida: se a Igreja defende e preza tanto o casamento tradicional cristão (heterossexual e monogâmico), porque ainda não revogou o celibato dos clérigos?

Como eu disse, sou um cristão conservador e fervoroso, e portanto defensor do tradicional casamento poligâmico bíblico. Mas me sinto um pouco confuso: não seria mais adequado aos nossos líderes religiosos responder a essas e outras perguntas, antes de sair de casa numa noite chuvosa de segunda-feira para policiar a discussão sobre o ânus alheio?

1 Comentário

1 Comentário

  1. Maria Alice Gonzalez

    29 de maio de 2015 às 11:19

    Sobre a hipocrisia religiosa, quando um padre é acusado de pedofilia ou descobre-se que tem uma “família”, como aconteceu aqui me Foz do iguaçu, ele simplesmente é transferido de paróquia para onde ninguém sabe nada sobre ele. No caso de Foz, o padre optou por sair da igreja e ficar com a esposa e filho.

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