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Coluna do Wesley Ribeiro

Coluna do Wesley Ribeiro: Contra a inexatidão daquele pensamento popular segundo o qual “o governo não quer a formação de cidadãos críticos”

 Não quero dizer, como talvez possa ser depreendido do título de meu texto, que a nossa sociedade incentive a formação crítica de nossos cidadãos. Longe de mim, esta tola e impopular pretensão! O que quero dizer já é, na verdade, algo bem conhecido por parte dos que estudam o pensamento de Karl Marx, por exemplo: penso que seja necessário reforçar a ideia de que o Estado é uma instituição social que serve aos interesses de uma classe dominante – economicamente dominante e, por isto, também políticamente dominante. Esta classe é que fundou o Estado democrático brasileiro e é ela quem ainda o domina. Ela é hegemônica. Ela é também politicamente organizada. Muitas vezes ela é politicamente mais organizada que os próprios trabalhadores. Por isto também é que ela domina o Estado. A vantagem que ela tem sobre os trabalhadores é exatamente o seu poderio econômico. O governo, portanto, é apenas um representante desta classe – ou, pelo menos, é o representante de um certo número de instituições privadas economicamente muito poderosas. Considerando-se isto, devemos dizer, mais precisamente, que é do interesse dos poderosos empresários que dominam o Estado que nossos cidadãos não sejam críticos – e não é apenas isto.

Vivemos sob o governo de um modelo econômico alicerçado sobre o consumo em massa de mercadorias. Como o princípio fundamental do mercado é a busca pelo lucro, aquela mercadoria que puder ser comprada pelo maior número possível de pessoas é a melhor – dado que ela melhor satisfaz o princípio fundamental do mercado. Se nossos cidadãos fossem muito críticos – com isto, quero dizer que, se possuissem uma opinião, um pensamento e um gosto muito próprios, a padronização de mercadorias da qual depende o sucesso do mercado seria gravemente dificultada. Portanto, o mais correto é dizer que o mercado não quer – e não pode querer – a formação de cidadãos críticos. O mercado tem imposto (creio poder usar esta expressão no sentido de que, diante da hegemonia do mercado, outras formas de organização social não são possíveis), às sociedades contemporâneas, um modelo de organização social que considera o indivíduo como um mero consumidor de mercadorias – um consumidor de mercadorias padronizadas que são produzidas e planejadas para serem vendidas em massa. Quando o cidadão torna-se mero consumidor, é melhor para o sucesso do mercado, considerando o princípio do maior lucro possível, que ele não seja um consumidor muito exigente – e, de fato, quando tomamos exemplos como o do consumo de mercadorias culturais (as mercadorias da indústria do entretenimento como um todo), vemos que, na verdade, o mercado dispõe, do ponto de vista artístico, pelo menos, de um grande número de consumidores nada exigentes. Os governos, o Estado, representantes que são do mercado, no fim das contas, principalmente na forma de governos economicamente mais liberais, não fazem muito no sentido de formar cidadãos mais críticos.

O Estado acaba sendo o representante de apenas um certo número de instituições privadas economicamente muito poderosas porque estas instituições financiam as campanhas de nossos representantes políticos. Não apenas  isto: estas instituições muitas vezes financiam a corrupção e influenciam ou até determinam a política através do “lobbismo”. O que é o “lobby”? O lobbismo vem sendo praticado não só no Brasil – é bom que se diga; consiste, muitas vezes, em buscar influenciar ou mesmo determinar a opinião dos parlamentares não publicamente, de modo não trasparente, e através do suborno. É sobre a prática do lobbismo na política norte-americana desde os anos 70, pelo menos, que trata o documentário mencionado em meu último texto, publicado aqui neste blogue.

Não acredito que, pelo que foi até aqui exposto, “tudo esteja perdido”. Ainda que as instituições privadas mais poderosas tenham mantido sua hegemonia política no Brasil e no mundo, através do financiamento de campanhas e do lobbismo, é preciso que o povo (entendido aqui como o conjunto dos cidadãos que não fazem parte desta minoria mais poderosa e dominante) organize-se e use da sua força para que, se não puder virar o jogo, pelo menos possa equilibrá-lo – e que o exemplo dos trabalhadores da educação do Estado do Paraná sirva de referência para o povo brasileiro!

O que pretendo combater na ideia popular de que “o governo não quer a formação de cidadãos críticos” é o fato de ela ser, marxianamente falando, uma ideologia: trata-se de uma ideia falsa, no sentido de não corresponder à realidade, e, ao mesmo tempo, esconde a verdade que há por detrás dela: o Estado é como um ringue onde os economicamente mais poderosos (os de calções azuis, digamos) têm muitas vantagens sobre o resto da população (os de calções vermelhos). O que não podemos fazer é trocar os calções vermelhos pelos azuis, baixar a guarda ou desistir da luta e, para tornar a luta política um pouco mais justa, há, eu creio, uma esperança: a possibilidade de uma real transformação da política brasileira através de uma reforma política verdadeiramente democrática.

Wesley-RibeiroWesley Ribeiro (ou Barsa), é professor de filosofia graduado pela Universidade Estadual de Maringá, mestrando em filosofia pela mesma universidade e músico. Como músico, participou de projetos diversos: em 2009, foi convidado a participar do projeto Impermanente, da Companhia Verve de Dança, junto ao músico inglês Chris Vine; no mesmo ano, participou também de um outro projeto seu, chamado Heat Poets, junto ao poeta inglês Chris Torrance, tendo gravado a bateria para a faixa Taliesin at the console, do disco e livro Rori: A book of the boundaries (publicado em 2011); em 2009 e em 2010, participou, em Maringá, da realização da mostra de música instrumental e artes Curta Som, junto ao violonista (e jornalista) Thales Paiva; durante o ano de 2011, foi professor de bateria na escola de música Som Maior, em Campo Mourão. Desde julho de 2012 até o fim de 2013,  acompanhou o músico João Elias, oRaulzito Cover; no primeiro semestre de 2013, incorporou-se ao projeto do professor e músico William Versori, chamado Acordes e Encontros, apresentando-se junto ao Grupo Contratempo e ensinando percussão brasileira e leitura e escrita musical para crianças de colégios estaduais da cidade de Campo Mourão; desde o início do segundo semestre de 2013, tem integrado o Regional Pé de Pano, dirigido pelo professor e músico César Leandro Miguel. Durante o ano de 2014, desenvolverá, junto ao músico inglês Chris Vine, o projeto de música improvisacional livre Barsa e Briggy. Como professor de filosofia, atua junto ao Colégio Sesi de Campo Mourão desde 2012, foi professor colaborador da Unespar em 2013 e  é professor da rede estadual de educação básica desde o ano passado.

2 Comentários

2 Comments

  1. Renan Mendes

    4 de março de 2015 às 21:22

    Grande Barsa! Excelente professor de filosofia. Texto muito bom. Ele consegue explicar de maneira formal, e ao mesmo tempo clara.

  2. Wesley Ribeiro

    5 de março de 2015 às 8:58

    Muito obrigado, Renan Mendes! Um forte abraço!

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