Precisamos de uma filosofia que sirva ao homem, mas não como a ciência tem servido-lhe, criando para ele coisas úteis. Porque de coisas úteis – e mais ainda das inúteis também – o mundo já se encontra cheio!
A relação dos “filósofos” das universidades com o conhecimento é demasiado utilitarista: filosofar é, para nós, “pensar” segundo modelos perseguindo a carreira. Isto só nos afasta da filosofia!
Desejam rir um pouco, meus tolos amigos? Já vos disse que os “filósofos” da academia são como papagaios, não vos disse? Porque o que fazem é tagarelar apenas! Pois são semelhantes também àquele personagem da televisão, o comentarista Persival, cujo comentário consiste em uma mera repetição do que é evidente aos seus telespectadores. No entanto, os nossos “filósofos” persivais consideram-se mais como sacerdotes, responsáveis pela acolhida da revelação! E talvez por isso sejam tão soberbos! Todavia, esta soberba esconde sua maior fraqueza: não fazem ideia da utilidade da filosofia para a vida! Não poderiam mesmo fazer! Quem hoje conhece este segredo do pensamento?! Sua soberba é o sinal, na verdade, de um sentimento de miséria e inferioridade; é um modo de tentar afirmar-se como forte o que está fadado ao fracasso desde o princípio, inevitavelmente – serve apenas como um faz de conta entre tolos da mesma espécie que fingem convencer uns aos outros para não sofrerem ainda mais com a sua miséria.
Creio, meus senhores, que, sob certa perspectiva, fui superior ao que hoje sou quando era ainda um adolescente: parece-me que nesta época eu flagrei o verdadeiro sentido da filosofia e eu então buscava vive-la, como havia buscado viver um pouco antes a religião e, concomitantemente, buscava viver a arte. Enganei-me, no entanto, quando pensei que pudesse realizar meu sonho de viver para a filosofia sendo um profissional da filosofia: queria viver para ela, sem saber que, tornando-me professor, apenas poderia viver dela – e isto significa: parasita-la, depreda-la, consumi-la.
Na universidade descobri algumas coisas antes não imagináveis por mim: a assustadora e poderosa filosofia acadêmica e seu filosofar de médico legista. Aliás, se fosse aprofundar esta última analogia, poderia escrever uma história onde o médico legista, responsável por apurar as causas da morte de seu “paciente” é o próprio responsável pela morte de seu paciente! Mas devo confessar que a universidade exerceu uma influência muito forte sobre mim, ainda que eu fosse um rebelde! E esta aversão ao academicismo, esta recusa, hoje aparecem fracas, quase sem espírito, ou melhor, quase puros espíritos, fantasmas que surgem de mim. Mas isto porque a academia é como uma armadilha para os espíritos que tendem ao filosofar: ela nos atrai, como se fosse nos possibilitar o dedicar a vida para a filosofia, mas, quando caímos sob suas garras, nos vemos logo amarrados, escravizados, sugados por ela. E depois somos jogados de volta ao mundo, pálidos, fracos, anêmicos. E voltamos ao mundo como vampiros: para sobrevivermos, necessariamente sugaremos o sangue da filosofia, da arte, da cultura, nós, os homens cultos de uma época tão miserável e carente de cultura, de valores! E o que significa o trabalho “filosófico” das universidades diante disto, a leitura e interpretação dos “clássicos”?! É escravização, renúncia e sacrifício de si e da própria filosofia! Somos escravos, encontramo-nos amarrados por nossas obrigações acadêmicas. Por isso, que são os títulos hierarquicamente superiores de pós-graduação?! São jaulas um pouco maiores para animais já habituados a viverem em confinamento. Vejam bem, caríssimos amigos, somos tratados como porcos, vacas, galinhas, e, no entanto, somos felizes! Ou, pelo menos, tentamos parecer felizes: “Puxa, que belas correntes prendem seu pescoço aos pés, caro companheiro! Que suntuosas amarras não permitem-me mover-me! Que jaula moderna, esta minha!” Pobre gente miserável!
O que é um Facebook? Talvez sua natureza seja dupla: ao mesmo tempo em que contribui para a mediocrização das pessoas, ele é o modo mais adequado da expressão de sua mediocrização. E isto pode ser dito de toda a mídia. Aquilo que um dos diretos da Rede Globo de Televisão afirmam no documentário “Muito Além do Cidadão Kane”, de que o conteúdo da televisão é determinado pelos seus telespectadores (no sentido em que a mídia “mostra o que as pessoas querem ver”) será mais adequadamente interpretado desta forma: a mídia forma as pessoas (e isto significa: ela as torna idiotas, medíocres) ao mesmo tempo em que é a expressão da sua mediocrização já realizada.
Creio que devêssemos ser exemplos diante do mundo: nossa conduta, nosso exemplo, deveriam ser dignos de imitação; deveríamos procurar isto, ao menos, sem jamais nos satisfazer, provavelmente, porque isto nos elevaria. Para tal, é preciso reservar-se, no entanto; é preciso guardar-se para mais tarde para, apenas quando tivermos algo digno de tornar-se público, nós o tornaremos público, esperando assim influenciar nossos semelhantes. Entretanto, o que fazemos hoje? Expomos cada peido nosso, cada coisa podre que emana de nós, cada trivialidade, e consideramos isso tudo como um grande espetáculo! Por isso, a comédia já não tem em nosso meio sentido crítico algum: ao invés de, nos ridicularizando, ela nos fazer pôr em questão nossos valores, com ela nos unimos à turba e, como retardados, gritamos todos juntos: “Como somos idiotas, medíocres e miseráveis! E como isto é legal e engraçado! Sejamos todos idiotas, medíocres, miseráveis, legais e engraçados!” E quais são nossos exemplos?! Os “heróis” das telenovelas, dos filmes comerciais, da música comercial, do futebol: gente idiota, miserável, medíocre e perniciosa! Ao invés de admirarmos os homens (e mulheres) dignos de imitação, imitamos aqueles que são indignos de qualquer consideração!
Queridos amigos, eu sou um idiota também. A diferença é que não me vanglorio disto. E onde eu assisto à toda esta decadência?! Eu a assisto em mim mesmo! Também sou um decadente, também sou um doente! A diferença é que não me felicito por isto.