Hoje existem as bandas “covers” e, além delas, as bandas que criam suas próprias composições procuram sempre reproduzir sua música fielmente à gravação. A execução musical torna-se, assim, meramente uma reprodução: é como se os músicos em seu conjunto estivessem imitando os aparelhos de reprodução musical, porque, de fato, eles procuram fazer o que estes aparelhos fazem. Me parece que isto não ocorria, por exemplo, com pelo menos parte do rock praticado entre os anos 60 e 70: isto não parece ocorrer, por exemplo, com a banda de Jimi Hendrix, com The Who, Led Zeppelin, entre outros. Não que estas bandas fugissem completamente de uma audição comercial, fetichizada – hoje em dia elas são ouvidas de um modo ainda mais fetichizado, acredito. O que defendo aqui é que nestas bandas estava presente ainda o “espírito improvisacional” do rock and roll que, provavelmente, deriva do espírito improvisacional do country, do blues e também do jazz.
Assim, quando uma banda “cover” busca reproduzir o mais fielmente possível o “som” da banda original, necessariamente deixa de lado o que era mais importante nesta música: seu “espírito”. O espírito não é reproduzível como a composição o é, como o disco o é. Neste movimento de imitação, ao buscarem tocar do modo mais semelhante possível ao da gravação original, os músicos imitam a máquina, a tomam como referência, como ideal: o ideal da execução musical está, a partir de então, em executar música como uma máquina o faria – talvez um pouco melhor; de qualquer modo, a máquina é a referência, não mais o homem.
Por que os músicos submetem-se a isto? Sua relação com a música é uma relação comercial, não artística. Seus ouvintes também não procuram arte, nos bares, etc. que frequentam: eles procuram bandas tocando exatamente o que eles ouvem nas rádios ou em seus aparelhos de reprodução musical. Uma nota diferente pode ser demais para um ouvido destes – e isto pode levar uma banda “cover” a não ter mais onde apresentar-se. O fato é que, nestes bares, a prática musical é orientada por pessoas que ignoram completamente a arte da música – e isto não acontece somente nos bares: o seu “público”. Além disso, no fim das contas, as pessoas, ou, pelo menos, a maior parte delas, desprezam completamente a música e, muito mais, os músicos. O que eles prezam são os “artistas” de sucesso – que de artistas não têm nada.
Se quiséssemos, portanto, tocar “como” os músicos do rock dos anos 60 e 70, não deveríamos imitar as suas gravações, mas procuraríamos sentir a música como eles a sentiam; praticaríamos música à maneira deles e não como máquinas.