conecte-se conosco

Olá, o que você está procurando?

Todos

Coluna do Rogério Tonet: Cidadania Reflexiva (Parte IV): Mídia, a psicologia do medo e a manipulação em massa.

Imagem Cidadania Reflexiva

Por Rogério Tonet

Como controlar os padrões de consumo para que as pessoas estejam continuamente comprando mais e mais itens (mesmo que estes não sejam necessários)? Como controlar o mercado de forma a tornar os produtos mais escassos e, portanto, mais valorizados e desejáveis? Como manipular a população para que todos saiam de casa para abastecer automóveis?

Hoje trataremos nesta coluna, não mais de política somente, mas sobre marketing e as ferramentas que  levam as pessoas a deixarem de tomar decisões racionais e serem guiadas pela emoção… remarcando: “guiadas” pela emoção.

O marketing é uma técnica (ou até “ciência”, como consideram alguns) que apoia-se, principalmente, nos aspectos psicológicos que estão por trás das relações comerciais, em especial, das relações de consumo entre o fabricante e o usuário do produto.  Peter Drucker definiu certa vez marketing como sendo “a ciência da administração dos mercados”, ou seja, o mercado seria controlado pelas empresas… mas, quem é o “mercado”? No fim das contas – em uma das diversas acepções – o “mercado” de um determinado produto é representado pelo conjunto de PESSOAS que estão aptas e dispostas a consumi-lo. Aqui, outra palavra que quero remarcar: “Pessoas”…

O mercado é composto, então, de: produtores, produtos, intermediários, sistemas de distribuição, espaços dedicados às transações e… pessoas!

Questão 1: Por que compramos?

O marketing faz uso de alguns aspectos básicos da psicologia e os aplica diretamente para, intencionalmente, conforme visto, controlar o mercado – o que significa, em última instância, incentivar ou inibir as pessoas de certos comportamentos. A resposta mais direta para a questão acima é “Compramos porque algo nos está faltando”, compramos, teoricamente, itens que vão preencher alguma deficiência ou dos quais necessitamos.

Questão 2: (Mas….) Quem decide o que é necessário?

Esta é a questão-chave para entender como o marketing e a comunicação trabalham para estabelecer a gerencia (ou manipular) os padrões de consumo das pessoas. A “agenda” de consumo, a priorização das necessidades não é uma decisão tomada independentemente da sociedade, mas, do consumidor (indivíduo) a partir de informações e sinais que lhes são oferecidas diariamente, tanto pelo comportamento coletivo, quanto pelos meios de comunicação.

Padrões de beleza e comportamentos são apresentados todos os dias para milhares de pessoas nas novelas, filmes, anúncios, revistas, jornais, etc. A modelo exageradamente magra e uma reportagem sobre os novos “ingredientes mágicos” para uma dieta podem estar separados apenas por alguns segundos dentro da programação de uma rede de tv comercial – mas transformam-se, nas cabeças dos “clientes potenciais”, em uma mensagem única.

Apesar de muitos destes padrões não serem acessíveis à maior parte da população, a população os adota por dois gatilhos psicológicos, dos mais básicos e instintivos (“pulsões”), o desejo de pertencer (positivo) e o medo de ser excluído (negativo).

Questão 3: Quem consome mais? Pessoas felizes e bem “resolvidas” ou pessoas inseguras e amedrontadas?

Pessoas de caráter solidamente constituído, de personalidade forte, provavelmente estarão menos disponíveis à influência destas mensagens que bombardeiam nossas cabeças diuturnamente. Pessoas que priorizam a qualidade de vida, a educação, hobbies e suas atividades em oposição às opiniões dos grupos de referência de que faz parte serão pessoas mais “completas”, onde sobra pouco espaço para as necessidades mais fúteis.

No sentido oposto, pessoas inseguras ou em estado de tensão e insegurança, tenderão a estar mais suscetíveis aos apelos dos modelos padrão direcionados à massa consumidora padronizada.

Os livros de marketing relatam que entre o momento que o consumidor toma conhecimento sobre a existência do produto e a decisão de adquirir ou não este, existe uma elevação na tensão do indivíduo (Nota: Os adeptos do “neuromarketing” – mistura de neurociência e o marketing – utilizam-se até de aparelhos de ressonância magnética e de tomógrafos para analisar quais as partes do cérebro são ativadas em cada etapa do processo de compra dos sujeitos). A tensão ocorre exatamente no momento da tomada de decisão e, quanto mais confusa for esta etapa do processo, maior a probabilidade do sujeito fechar o negócio.

A corrida aos postos de combustível – a irracionalidade toma conta da população.

Concluindo a questão anterior, quanto mais confuso for o processo de tomada de decisão, existe uma tendência, por parte do indivíduo, de deixar de lado os aspectos racionais e objetivos do processo (representada por questões como: “Preciso mesmo de mais um sapato?” ou “Qual a utilidade disso na minha vida?” ou ainda: “Vale a pena pagar por isso?”) e entregar-se à emoção do momento.

Uma das formas mais eficientes de deixar as pessoas confusas, inseguras e elevar a tensão a níveis estratosféricos é através do medo e, em especial, o medo de que o estilo de vida conquistado pelas pessoas pode ser modificado (para pior) rapidamente.

O que assistimos em parte do Brasil ontem – 24 de fevereiro de 2015 – foi um destes eventos onde a emoção ou a “irracionalidade”, como classificaria Weber, tomou conta de uma grande parte da população. Informações incompletas (ou boatos) apresentadas no jornal do meio-dia sobre a falta de combustíveis em algumas cidades do Brasil levou às pessoas a formarem filas quilométricas nos postos de combustível que, por manterem seus estoques apenas para manter o consumo usual, levou à falta do produto.

É uma profecia autorrealizável!!!! Se todas as pessoas correrem aos postos “porque o combustível vai acabar” é óbvio que o combustível vai acabar, pois os postos não estão preparados para este tipo demanda.

No mercado de ações esse tipo de comportamento seria classificado como “comportamento de manada”, ou seja, as pessoas, tal como faz o gado, olham as outras adotando um determinado tipo de decisão e passam a segui-las… mas, aqui, tratando-se de uma parcela enorme da população, eu não seria deselegante a tal ponto.

Mas, lembro sim, da música de Zé Ramalho, que trata do tema e que deixo para ele, poeticamente, a tarefa de ser deselegante:

Vida de Gado – Zé Ramalho

Vocês que fazem parte dessa massa,
Que passa nos projetos, do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais, do que receber.
E ter que demonstrar, sua coragem
A margem do que possa aparecer.
E ver que toda essa, engrenagem
Já sente a ferrugem, lhe comer.

Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz
Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz

Lá fora faz um tempo confortável
A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os homens a publicam no jornal
E correm através da madrugada
A única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada
E passam a contar o que sobrou.

Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz
Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz

O povo, foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores, tempos idos
Contemplam essa vida, numa cela
Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo, se acabar
A arca de Noé, o dirigível
Não voam, nem se pode flutuar,
Não voam nem se pode flutuar,
Não voam nem se pode flutuar.

Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado e,
Povo feliz
Eh, ôô, vida de gado
Povo marcado e,
Povo feliz

Boa semana,

Recusando-me a fazer parte da manada,

Rogério Tonet* Rogério Tonet é professor e consultor. Administrador, Mestre (UFPR, 2004) e doutor em Administração (UFSC, 2014), especialista em Marketing e Recursos Humanos. Pesquisador nas áreas de movimentos sociais, democracia participativa e formas alternativas de ocupação e renda. Escreve para o Blog do Raoni todas as quartas-feiras.

6 Comentários

6 Comments

  1. Dalton Carlos

    25 de fevereiro de 2015 às 23:24

    O autor realmente acha que não faltará produtos e que as pessoas estão erradas em ir buscar se preparar?

  2. Rogério Tonet

    26 de fevereiro de 2015 às 6:44

    Olá Dalton.

    O autor (eu) acha que uma notícia no jornal do meio-dia pode causar uma histeria coletiva e uma corrida desnecessária aos postos. Não há desabastecimento… O desabastecimento aconteceu porque as pessoas foram todas ao mesmo tempo aos postos.

    Eu fui a um posto no centro da cidade, ontem, as 14h e abasteci meu carro… Sem filas…

    Repito: não há desabastecimento… Há histeria e uma cobertura tendenciosa da imprensa.

    Rogério

  3. Rogério Tonet

    26 de fevereiro de 2015 às 6:56

    Complementando:

    As empresas (postos e supermercados, inclusive) trabalham.com estoques muito pequenos, apenas o suficiente para alguns dias (estoques são um custo para as empresas) e uma mudança no padrão de consumo gera a falta dos produtos.

    Os produtos existentes, que seriam suficientes para dias, acabaram em poucas horas devido ao “medo” de que tais produtos faltariam… É a profecia autorrealizável que falei no post.

    Boa sorte,

    Rogério

  4. Leandro

    26 de fevereiro de 2015 às 10:45

    Rogério mais um texto sensato e de alto nível. Parabéns pra você;
    Você acha que o Ministério Público poderia intervir em empresas que dão esse tipo de notícia, deixando a população em pânico? Eu acho que seria uma medida interessante para evitar esse tipo de situação.

  5. Rogério Tonet

    26 de fevereiro de 2015 às 11:11

    Obrigado Leandro.

    Você entendeu exatamente o objetivo desta coluna… é sair da análise fácil ou superficial (ou pior, da aceitação das notícias sem qualquer análise) e buscar compreender o que está por trás dos acontecimentos.

    Vamos continuar pensando!!!

    Rogério

  6. Rogério Tonet

    26 de fevereiro de 2015 às 18:53

    Leandro…

    Respondendo à sua pergunta: sim, as empresas de comunicação são concessões do Estado e, portanto, podem ser alvo de ações do MP.

    Por outro lado, falta uma legislação que regule este setor. É urgente uma Lei de mídia no Brasil.

    Rogerio

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja também

Campo Mourão

O festival proporciona atividades culturais e recreativas nos três parques municipais.

Campo Mourão

Aniversariante chegou a se esconder no meio do mato pra fugir de blitz da aglomeração.

Campo Mourão

Cidade já perdeu 126 moradores para doença

Todos

Ao todo foram 265 prêmios oferecidos aos consumidores na campanha promocional.